ESTADOS UNIDOS

NYT: Trump é investigado por suspeita de obstrução e fraude em tentativa de reverter eleição de 2020

Ex-presidente afirmou na terça ter recebido uma carta intimando-o a depor a um grande júri, sinal de que novas acusações podem em breve se tornar realidade

Donald Trump gesticula depois de discursar em Nova Jersey Donald Trump gesticula depois de discursar em Nova Jersey  - Foto: Ed JONES / AFP

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, que na terça-feira anunciou ter sido intimado para depor à Justiça sobre sua malsucedida cruzada para reverter o voto popular nas eleições de 2020, teria sido informado de que as investigações contra si têm como foco três acusações, entre elas obstrução e fraude.

O mais novo problema judicial que ameaça o republicano, contudo, parece não ter abalado seus correligionários, que normalizam o fato de o líder nas pesquisas para a eleição do ano que vem precisar conciliar a agenda de campanha com audiências no tribunal.

Trump não divulgou o conteúdo da carta que recebeu no domingo supostamente convidando-o a depor em até "quatro curtos dias", documento que com frequência serve para alertar que uma acusação é iminente e dá ao destinatário uma oportunidade de responder. Uma fonte anônima que conversou com o New York Times, contudo, disse o documento lista a possibilidade de acusações por obstruir corruptamente um procedimento oficial, conspiração para fraudar o governo e fraude.

A primeira possível acusação, segundo a lei americana, poderia lhe render até 20 anos de prisão, e a comissão bipartidária da Câmara que terminou em dezembro do ano passado seu julgamento político do ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, constatou haver evidências que Trump tentou obstruir o Congresso. Turbas incitadas pelo ex-presidente invadiram a sede do Congresso americano durante uma sessão conjunta que certificaria a vitória do presidente Joe Biden, etapa derradeira antes da posse que ocorreria uma quinzena depois.
 

Promotores já usaram a lei em questão para acusar centenas de participantes do ataque e, em abril, um tribunal federal endossou a viabilidade da acusação para os invasores do Capitólio. Diferentemente deles, contudo, Trump não participou pessoalmente do ataque, apesar de ter discursado horas antes incitando os apoiadores e, posteriormente, ter afirmado que "os amava muito".

A Câmara, em seu julgamento político, disse que a incitação seria suficiente para acusá-lo, algo que seus advogados devem contestar, pois ele também disse para o grupo protestar "pacificamente". Outro ponto levantado pelos parlamentares foram as tentativas trumpistas de convencer seu vice, Mike Pence, que presidia a sessão conjunta do Congresso, a interferir nos votos do Colégio Eleitoral de sete estados-pêndulo vencidos por Biden.

De acordo com os parlamentares, o então presidente sabia que suas acusações de fraude eram falsas, mas seguiu em frente mesmo assim.

A acusação de conspiração para lesar o governo também foi considerada válida pela Comissão da Câmara, que fez uma recomendação não vinculante para que o Departamento da Justiça a apresentasse formalmente. O juiz federal da Flórida David Carter também disse ser provável que as comunicações de Trump com seu conselheiro jurídico, John Eastman, tinham evidências criminosas.

Carter fez tal afirmação enquanto julgava um processo civil que questionava se a comissão parlamentar do 6 de janeiro poderia ou não obter os e-mails de Eastman, considerando que "a ilegalidade do plano era óbvia" e que, portanto, o sigilo cliente-advogado poderia ser rompido neste caso. Segundo ele, "ignorando a História, Trump fez uma campanha vigorosa para o vice-presidente determinar por conta própria os resultados as eleições de 2020".

O argumento central para acusá-lo de conspiração são as interações do ex-presidente com advogados e conselheiros. Se acusado e, posteriormente, condenado, pode ficar até cinco anos na prisão. Especula-se ainda que possa ser imputado por declarações falsas devido à conspiração para intervir no Colégio Eleitoral e no envio de seus votos ao Congresso, crime passível de outros cinco anos de prisão.

Trump também teria sido informado da possibilidade de uma acusação por fraude bancária, passível de até 20 anos prisão pela transferência interestadual de dinheiro como parte de um esquema falso ou irregular. Acusação parecida diz respeito à fraude postal, referindo-se a arranjos que envolvam o uso dos Correios.

Intimações prévias emitidas pelo promotor especial Jake Smith, responsável pelas investigações, indicam que um dos focos dos trabalhos é o comitê de ação política de Trump, o Save America, que buscava arrecadar dinheiro em nome do ex-presidente. Cerca de US$ 250 milhões foram levantados sob o argumento de que as doações eram necessárias para lutar contra a fraude eleitoral, apesar de Trump ser informado repetidas vezes que o processo não teve irregularidades.

A comissão bipartidária da Câmara sugeriu que Trump lesou seus apoiadores — em suas audiências públicas, descreveram como, após a eleição, a campanha disparava pedidos de doações até 25 vezes ao dia para "combater a fraude eleitoral" e custear um fundo de defesa que nunca existiu. A verba foi usada para outras razões, incluindo mais de US$ 200 mil gastos em hotéis pertencentes ao ex-presidente.

Sugere-se ainda que Trump possa ser acusado de insurreição, algo que parece improvável — nenhum outro participante do 6 de janeiro até hoje respondeu por isso, uma violação rara de ser aplicada nos EUA.

Grande júri
Antes de quaisquer acusações serem apresentadas, elas precisam receber o sinal verde de um grande júri — nos EUA, o colegiado é convocado para avaliar as evidências coletadas pelos investigadores e determinar se são suficientemente fortes para um processo criminal. De um mínimo de 16 integrantes, ao menos 12 precisam endossar as acusações. A deliberação, apontam analistas, deve ocorrer nas próximas semanas.

Se o grupo considerar as acusações válidas, Trump irá se tornar réu criminal pela terceira vez. Em abril, quebrou precedentes ao se tornar o primeiro ex-presidente americano a ser acusado criminalmente falsificar registros comerciais antes das eleições presidenciais de 2016, incluindo o suposto suborno de US$ 130 mil da atriz pornô Stormy Daniels para abafar um caso extraconjugal que mantiveram dez anos antes. Ele sempre negou, mas o caso tramita na Justiça estadual de Nova York.

A segunda acusação veio em junho, quando um trabalho também coordenado por Smith rendeu ao republicano 37 acusações referentes a sete crimes federais pela retirada de documentos sigilosos da Casa Branca ao fim do mandato. O caso tramita em um tribunal federal da Flórida.

Apesar disso, continua à frente das pesquisas de intenção de voto para as primárias republicanas, que terão seu primeiro debate mês que vem. De acordo com o compilado do agregador RealClearPolitics, ele tem 53,7% das intenções de voto, contra 20,2% de Ron DeSantis, governador da Flórida. Em terceiro está Pence, com 6%. E pouco mudou desde as duas acusações até agora confirmadas.

Os partidários de Trump, mais uma vez, culparam Biden pelo que afirmam ser uma politização do Judiciário, sinal da forca que o trumpismo ainda exerce sobre os republicanos. A deputada Elise Stefanik, por exemplo, disse que "temos novamente um exemplo da politização do Departamento de Justiça de Joe Biden sendo usado contra seu principal adversário".

Na frente de campanha, não há uma resposta articulada, conforme os candidatos tentam achar um equilíbrio entre os ataques ao líder das intenções de voto e o cultivo da base afeita a ele. DeSantis, por exemplo disse que o ex-presidente "deveria ter sido mais veemente" em sua oposição aos invasores do Capitólio, frase que seus opositores usaram para criticá-lo. Mais tarde, afirmou:

— Eu espero que ele não seja acusado — disse ele à CNN.

A entrevista de DeSantis ao canal de notícias deveria ter sido um momento importante para sua campanha, que evita se sentar com a mídia "corporativista" que com frequência critica. Acabou, contudo, compartilhando tela com notícias ao vivo sobre as próximas audiências de Trump — divisão de atenção que não tem previsão de acabar nos próximos meses.

Ciclo eleitoral
As audiências de Trump devem coincidir com as primárias, tanto de seus casos criminais quanto de outros imbróglios civis. Alguns julgamentos devem legar semanas, atravessando datas importantes do ciclo eleitoral.

Em 2 de outubro, começa o julgamento civil das acusações de fraude contra a Organização Trump, a empresa do ex-presidente, que tem como réus Trump e seus dois filhos mais velhos, Donald Jr. e Eric. A Procuradoria-geral de Nova York pede US$ 250 milhões em danos, alegando que o patrimônio da companhia foi supervalorizado para benefícios fiscais e empréstimos sob melhores condições.

Trump tentou descartar e adiar o caso sem sucesso, pedido rechaçado pela Suprema Corte estadual que bateu o martelo para outubro. É esperado que o julgamento leve até dois meses.

Em 15 de janeiro deve começar um segundo julgamento civil referente as acusações feitas pela colunista E. Jean Carroll. A data coincide também com a primeira primária republicana, o importante caucus de Iowa, uma coincidência que deve dificultar a vida de Trump. Oito dias depois, será a vez da votação no também importante New Hampshire, duas semanas antes de Nevada.

Em maio deste ano, um júri federal de Manhattan considerou Trump responsável pelo abuso sexual e difamação contra a escritora, demandando um pagamento de US$ 5 milhões (R$ 24,9 milhões) em danos — US$ 2 milhões pela queixa civil e US$ 3 milhões por difamação. O grupo determinou também que não havia evidências suficientes para responsabilizá-lo por estupro, que na legislação estadual diz respeito à violação com penetração vaginal.

Embora estupro e abuso sexual sejam ofensas de natureza criminal no estado, elas estão prescritas. O processo no âmbito civil só foi possível após Nova York aprovar uma legislação para que vítimas de abuso pudessem abrir processos pedindo compensações por casos passados, apontado como uma conquista do movimento #MeToo.

O processo que irá a julgamento em janeiro, contudo, foi apresentado inicialmente por Carroll em fevereiro de 2019, acusando-o Trump de difamá-la quando tornou sua história pública em um livro. A ação foi posteriormente alterada para incluir supostas difamações subsequentes. Trump, por sua vez, fez uma contraqueixa acusando a mulher de destruir sua reputação ao acusá-lo de estupro na CNN no dia seguinte ao tribunal civil julgá-lo não responsável.

Em 25 de março, por sua vez, deve começar o julgamento do caso Stormy Daniels, o primeiro na esfera criminal. O juiz da Suprema Corte estadual Juan Merchan determinou que o ex-presidente esteja no tribunal em 4 de abril e que compareça em uma audiência subsequente em maio, mas o livrou de ir a ao menos uma sessão devido aos compromissos de campanha. Ele deve também comparecer ao tribunal em 4 de janeiro para uma sessão antes do julgamento.

O início das deliberações coincidirá com a reta final das primárias: 23 de março, por exemplo, será a vez da Louisiana votar. Dois de abril, irão às urnas Rhode Island e Wisconsin. (Com New York Times e Bloomberg)

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