"O câncer de mama hoje cresce entre mulheres abaixo dos 40 anos", diz oncologista Artur Katz
Diretor da área de oncologia no Hospital Sírio-Libanês e médico que atendeu o presidente Lula fala sobre saúde da mulher, fatores que afetam o câncer e fake news na área da saúde
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Formado em medicina há cerca de quarenta anos, o oncologista Artur Katz diz que sempre sabe como seu dia começa (cumprindo uma rigorosa agenda, é claro) mas pouco consegue determinar como será o fim de cada jornada. Isso porque tem sob seus cuidados pacientes diagnosticados com câncer de mama e de pulmão, que necessitam de suas orientações e direcionamentos periódicos.
Além disso, Katz é diretor da área de oncologia do Sírio-Libanês, que acaba de completar 25 anos, e é considerado um dos mais importantes nomes do país quando o assunto é oncologia. Prova disso é que teve entre seus pacientes o atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.
Em entrevista ao Globo, o médico falou sobre o rejuvenescimento dos tumores de mama e da desconfiança com a qual observa os cigarros eletrônicos. Ainda explicou a importância do vínculo social para o tratamento do câncer e até permitiu-se um breve sorriso ao comentar o quão inverossímeis são algumas fake news. Breve, pois logo retomou a cautela e sobriedade que são quase suas marcas registradas: "pedimos que as pessoas falem com seus médicos para que o uso de fitoterápicos não atrapalhe seus tratamentos", explicou. Confira os principais trechos da entrevista:
O senhor tem notado aparecimento de tumores em pacientes mais jovens?
Eu atendo exclusivamente pacientes com tumores de mama e pulmão, mesmo que um familiar desenvolva outra doença, ou parente dele desenvolva outra doença, eu indico para outra pessoa que seja especialista nesta respectiva área. A questão dos pacientes mais jovens não vemos com clareza na área do câncer de pulmão. Já no câncer de mama, a maior parte dos livros, escritos há vinte anos, descreviam que o câncer de mama chega a mulheres na sexta década da vida preferencialmente. Hoje vemos cada vez mais pacientes mais jovens, entre 30 e 40 anos, com esse diagnóstico. Mas há menos quadros com letalidade.
Quais as razões desse rejuvenescimento?
Deve existir explicações ligadas ao estilo de vida e ao meio ambiente. Uma das coisas que parecem ser claras é o seguinte: se você pudesse bater um papo com sua bisavó ou tataravó ela diria que teve a primeira menstruação ao redor dos 15 anos, ela dirá que teve muitos filhos e amamentou todos eles. Ela vai relatar que ao longo da vida fértil teve cerca de 40 ciclos menstruais e só. A moça contemporânea menstua muito precocemente, aos 10 ou 11 anos de idade. E a maternidade ocorre aos 30 anos de idade. Engravida-se menos e amamenta-se pouco. Então, hoje em dia a mulher tem estimados 400 ciclos menstruais. Essa mulher é exposta a dez vezes mais ao seu próprio hormônio do que em gerações passadas, não posso te afirmar que isso tem claramente relação com tumores de mama. Mas é algo que pode estar envolvido. Ainda podemos dizer que a estimulação erógenas acontecem de maneira diferente. Antigamente, até os 16 anos as meninas só brincavam com outras moças, com bonecas de pano, escolas eram separadas, não havia TV ou internet. As meninas hoje estão expostas a estímulos precoces, seja no relacionamento de classe, com amiguinhos, ou ao ver um programa de TV qualquer com casais se beijando, abraçando, ou algo a mais. Isso estimula mais cedo o hipotálamo — o que pode levar a um funcionamento ovariano mais precoce.
Mas há mais alternativas para o tratamento do câncer, correto?
As medicações são cada vez mais dedicadas a um perfil específico do paciente. Aquele tratamento do passado que chamávamos de “one size fits all” (tamanho único) é cada vez menos usado. O papel do médico era mais simples, qualquer um que entrasse por aquela porta com câncer de pulmão receberia um tratamento muito semelhante. Hoje em dia é preciso de uma caracterização molecular do tipo de tumor. É preciso ter a disponibilidade desse testes, alguns demoram dias ou semanas, mas esses estudos são necessários para fazer um tratamento personalizado. Temos que saber se vamos conseguir entregar a esse paciente um tipo de tratamento muito específico pro caso dele. Em alguns casos não dá, então se faz uma quimioterapia de filosofia semelhante ao que se fazia há 15 anos. Não com o mesmo fármaco, mas a mesma filosofia.
E a imunoterapia?
As pessoas tem a ideia de que a imunoterapia pode ser aplicada a qualquer pessoa em qualquer situação e doença. Não é bem assim. É verdade que a imunoterapia tem ganhado mais indicações, mas não é pra todo mundo. Tampouco é isenta de efeitos colaterais. As pessoas tem uma visão muito romântica, dizem que é um tratamento fabuloso, perfeito para todos. Em algumas pessoas, na verdade, o sistema imune fica mais efetivo, ataca a doença, mas também os tecidos normais. Podem ocorrer manifestações autoimunes em diversas partes do corpo, hepatite autoimune, nefrite autoimune, colite autoimune afetando quase todos os orgãos do corpo. É fundamental que esse paciente seja acompanhado muito de perto, tanto para avaliar se o tratamento é eficaz, tanto para tentar identificar precocemente efeitos colaterais sérios, que não são tão frequentes, mas que devem ser prontamente identificados e corrigidos. Não são só exames, o paciente tem que ser visto muito de perto. Ganhamos em eficácia dos tratamentos, mas também em complexidade. O ideal é que haja vínculo e meio de comunicação entre médicos e pacientes. No exterior há aplicativos que os pacientes preenchem relatando sintomas. Mas, sabe, dá para ser mais simples, temos o WhatsApp.
Mudou a maneira de lidar com o paciente?
É preciso ver o paciente a cada duas semanas (mais ou menos) e isso limita o número de pessoas que posso acompanhar. Não tem como eu começar a ver uma paciente e daqui duas semanas não ter agenda para vê-la, não existe essa possibilidade. Por isso não consigo acompanhar todo mundo que me procura. Se eu colocar 50 pacientes na agenda, não vai dar para ver bem ninguém. É preciso levantar, examinar e a limitação é a nossa capacidade de dar atenção (àquela pessoa)
Como é dar um diagnóstico de câncer nos dias de hoje?
Obviamente é sempre um impacto muito grande não há como ser diferente. Há técnicas, porém, para comunicar isso, é preciso explicar para a pessoa o contexto e as opções que a pessoa tem. Por outro lado, felizmente, hoje há mais diagnóstico precoce. Uma das coisas positivas que a maldita pandemia trouxe foi o fato que muita gente que teve Covid fez a tomografia de tórax e isso levou ao reconhecimento de diagnósticos de câncer de pulmão que não se conheceria de outra forma. É um tumor em que há muita demora para encontrar, metade dos casos são identificados em estado mais disseminado, justamente porque é uma doença que pode silenciosamente se desenvolver por muito tempo.
Há 15 anos receber um teste positivo para câncer tinha um peso diferente?
Existem diagnósticos precoces e há novos tratamentos. Há momentos da doença. Por vezes explico que a doença não é passível de cura hoje, mas existe um tratamento que pode prolongar e muito a vida daquele paciente. Isso é importante para dar tempo à vida e vida ao tempo daquele paciente. Pode ser que em dois, três anos eu possa oferecer um tratamento que eu não posso agora. É importante manter essa pessoa bem para que ele possa ser candidato a novos tratamentos. Hoje, médicos e pacientes, trabalhamos com mais esperança.
Como o vape aparece no atual cenário do câncer?
Cigarros eletrônicos e vapes não são inocentes. Existe uma doença nova chamada evali – não tem nada a ver com tumor, são casos inflamatórios que podem ser muito sérios e fatais também. Parece haver algum tipo de relação entre o uso de vape e o aparecimento de tumor, mas isso é muito difícil de determinar porque é um evento muito novo e pode ocorrer uma latência grande. Porém, está claro que não é algo simples e inócuo. Vamos aguardar para ver.
O Brasil chegou a ter orientações persistentes sobre o autoexame de câncer de mama, algo que entrou em desaceleração e quase não se vê. É ruim a redução dessa divulgação?
É importante a mulher conhecer sua mama e estar familiarizada com ela, mas (o autoexame) não é uma boa forma de se realizar diagnóstico precoce. Essa não pode ser uma política pública. A gente quer identificar mais precocemente do que o nódulo palpável.
Como as fake news chegam a seu consultório?
Olha, foi um martírio a questão da fake news durante a pandemia da Covid-19. Houve pacientes que se recusaram a tomar vacina, outros que foram intoxicados por Vitamina D. Um terceiro problema sério é a automedicação. Tem gente que toma coisas que o vizinho indicou, que leu na internet. E a gente lembra ainda que muito dessas fitoterapias podem ter interação (nocivas) com o medicamento usado para o tratamento do câncer. Por isso pedimos para que as pessoas consultem seus médicos para saber se aquele uso não pode interferir no tratamento. Veja por exemplo o chá de noni (uma planta), os efeitos antioxidantes podem interferir no tratamento da quimioterapia e da radioterapia. Para tantas outras coisas não temos nem mesmo esse tipo de informação, melhor não usar.
Uma vertente importante importante de fake news que chegam para o senhor são relacionadas à saúde do presidente Lula, que esteve sob seus cuidados. Como o senhor lida com essas informações falsas?
Não preciso lidar. As coisas foram e sempre serão muito transparentes. Tem uma coisa que ficou clara nas redes sociais é que tem gente que vive quase em um universo paralelo, acredita em teorias conspiratórias. Não tem como parar o trabalho para dar atenção a isso.
A última atualização de saúde foi aquela do ano passado, após a laringoscopia e que está tudo bem…
Não o vi mais, não precisei.
Como o paciente emocionalmente mais equilibrado ajuda no resultado do tratamento?
O tratamento do câncer envolve inúmeras parcerias. Entre o médico e o paciente, entre o paciente e seus familiares. É muito difícil encarar isso sozinho, é preciso falar com o médico. Há quem formule fantasias piores do que a realidade. É preciso que a pessoa saiba a realidade sobre seu diagnóstico. A maioria das pessoas acaba encontrando motivação, quem sabe para ver a formatura de um filho, o nascimento de um neto. Os vínculos são muito importantes, existe um grande estudo da Universidade de Harvard que mostrou que relações interpessoais são fatores muito importantes para promover a longevidade.