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O culto à guerra a serviço do Kremlin nas ruas da antiga Stalingrado

Vladimir Putin, também traçou paralelos entre a resistência contra Hitler ao ordenar o início da operação militar em 24 de fevereiro citando a necessidade de "desnazificar" a Ucrânia

Guardas Russos marcham em frente à estátua da Mãe PátriaGuardas Russos marcham em frente à estátua da Mãe Pátria - Foto: Kirill Kudryavtsev / AFP

Às margens do rio Volga, Stalingrado, agora chamada Volgogrado, foi palco de uma sangrenta batalha na Segunda Guerra Mundial e desde então perpetuou um imaginário bélico que ajuda a justificar a atual ofensiva russa na Ucrânia. 

A vitória da União Soviética contra Hitler em Stalingrado, em fevereiro de 1943, marcou um ponto de virada nesse conflito. Mais de um milhão de pessoas morreram durante a batalha, uma das mais sangrentas da história. 

Em Mamayev Kurgan, uma colina onde terríveis combates foram travados, os soviéticos inauguraram em 1967 um memorial faraônico coroado com uma estátua da Mãe Pátria, com o rosto distorcido pela raiva e uma espada erguida ao céu.

Em um entardecer de junho, famílias, grupos de estudantes, idosos e casais apaixonados passeiam pelo local sob o olhar de esculturas de soldados esculpidas na rocha.

Dmitri Stepanov, de 51 anos, vai a este memorial toda vez que visita a cidade. Para ele, há uma continuidade entre o conflito na Ucrânia, Chechênia, Afeganistão e a batalha contra a Alemanha nazista.

"Em cada um deles, os jovens alcançaram conquistas. Fizeram isso pela Rússia, isso significa que o patriotismo não se apaga", diz Stepanov, que trabalha na indústria agroalimentar.

O presidente russo, Vladimir Putin, também traçou paralelos entre a resistência contra Hitler, glorificada nas escolas russas e na mídia pública, e a ofensiva na Ucrânia.

Ao ordenar o início da operação militar em 24 de fevereiro, citou a necessidade de "desnazificar" este país onde, segundo ele, "neonazistas" tomaram o poder após a revolução pró-europeia na Praça Maidan em 2014. 

"Antes era contra o fascismo. Agora, é contra o neofascismo", admite Alexander Grachev, empresário de 50 anos, em uma rua de Volgogrado, o novo nome dado à cidade em 1961, quando o Kremlin decidiu acabar com o culto à personalidade de Stalin.

Grachev acredita que a ofensiva na Ucrânia é o resultado de "um divórcio" que terminou mal entre Kiev e Moscou após a queda da União Soviética.

 

Lenin, Stalin e Putin

A antiga Stalingrado é o epicentro de um turismo impregnado de nostalgia pela era soviética. Nas lojas de souvenirs, dezenas de emblemas da URSS são vendidos ao lado de ímãs de Lenin, Stalin e Putin. 

E, como em muitas cidades russas, símbolos com a letra "Z" - o emblema das tropas de Moscou na Ucrânia - aparecem nas fachadas e ao longo de suas avenidas.

"Pelos nossos, Stalingrado!", proclamam faixas perto da estação de Volgogrado, também decoradas com a letra Z. 

"Nós não vamos abandonar os nossos. O patriotismo precisa viver dentro de cada um de nós", diz Vladimir Zotov, um pedreiro aposentado de 68 anos. 

Relembrando a provação dos habitantes da cidade ucraniana de Mariupol, devastada durante a ofensiva russa, Zotov acredita que o custo era inevitável: "Sempre há perdas na guerra, infortúnios e lágrimas". 

Mas alguns moradores desta cidade histórica e combativa não apoiam a intervenção na Ucrânia, apesar de uma forte repressão a vozes críticas.

"Eu particularmente não aprovo a operação porque está tirando muitas vidas", diz Marina Kirianova, uma estudante de 20 anos.

"Acho que havia outras maneiras de corrigir esse problema. Mas o poder decidiu", acrescenta. 

"É surreal", diz Ilia, um engenheiro de 30 anos que prefere não dar seu nome completo.

Embora se defina como "patriota", para ele é absolutamente "incorreto" ousar comparar a guerra contra o nazismo com o conflito na Ucrânia. 

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