O destino, somos nós que decidimos
Quando o presidente do União Brasil anunciou, na quinta-feira passada (05.05.22), que o partido abdicou do processo de escolha do candidato a presidente da República junto com outros postulantes da chamada terceira via e decidiu lançar uma chapa “puro sangue”, não foi surpresa a ninguém que conhece o sistema partidário no Brasil.
Um observador externo, entretanto, se perguntaria a partir de qual estudo essa estratégia do partido foi elaborada.
Desconhecido nacionalmente, e sem uma figura que possa amalgamar emoções, o resultado provável é a derrota, a menos que outros interesses estejam camuflados.
Há uma lógica e ela é perversa. Indica que o desinteresse pela disputa eleitoral, suportada em programas, é substituído pelo interesse menos nobre de compor no futuro, com qualquer dos candidatos vencedores, auferindo vantagens.
No mundo de agora, um país distópico se torna realidade, com a exacerbação dos conflitos ideológicos em um processo de anomalias emocionais e cognitivas das elites, dos políticos e do povo.
Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, no livro COMO AS DEMOCRACIAS MORREM (Editora Zahar, 2018), alertam para os caminhos tortuosos que as democracias vêm percorrendo para desviar-se de adversários radicais aos seus princípios basilares.
A política é um jogo de sedução, no qual se pretende conquistar os corações dos eleitores, com propostas sustentáveis e encaixadas temporalmente. Não é uma batalha entre bárbaros para conquistar espólios.
Quando rivais políticos se tornam inimigos figadais, a disputa se envilece, se obscurece e se transforma em um pesadelo, do qual o sistema diariamente desperta, precisando fugir da crise contratada pelos contendores.
Os partidos políticos no Brasil teimam em desconhecer esse postulado. Por meras agrupações que subsistem em torno de sinecuras, idealismo é coisa de fracos.
Os autores do best-seller indicam que para a defesa da democracia contra lideranças exóticas, que ofendem a tolerância mútua e a reserva institucional, as coalizões mais efetivas são as que reúnem grupos com opiniões divergentes, que se unem em torno de um objetivo comum.
Isso não significa abandonar as causas que lhes importam. Isso significa absorver desacordos temporariamente, a fim de encontrar bases éticas e morais comuns.
Era essa a proposta sonhadora há seis meses, quando começou a campanha eleitoral não oficial. Ficou pelo caminho.
Levitsky e Ziblatt abordam a responsabilidade das elites. Citam, como exemplo, a ascensão ao poder por Hugo Chávez na Venezuela. Transcrevo uma parte do texto:
“As elites acreditaram que o convite para exercer o poder conteria o outsider, levando a uma restauração do controle pelos políticos estabelecidos. [...] Uma mistura letal de ambição, medo e cálculos equivocados conspirou para levá-los ao mesmo erro”.
Nenhum líder sozinho consegue destruir a democracia, nenhum líder sozinho pode salvar a democracia. A democracia é um empreendimento compartilhado.
Instituições, isoladamente, também não são fortes o bastante para conter autocratas eleitos. Alegarão a legitimidade do voto. É preciso a coparticipação da população.
É difícil, todavia, pedir ao povo para se sacrificar em nome da liberdade e da democracia, quando elas são incapazes de lhe dar alimento para comer, de conter a alta incontrolável do custo de vida ou de acabar categoricamente com a corrupção.
Não sei se ainda há tempo. Não sei se há interesse. Sei, contudo, que é preciso disparar os dispositivos de alerta da sociedade. Não poderemos largar irresponsavelmente as rédeas de nosso destino e aguardarmos que outros decidam o caminho que devemos seguir. Os exemplos estão por aí, e bem perto.
Paz e bem!
*General de Divisão da Reserva
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