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'O Louco': Conheça Javier Milei, o 'místico' que entrou para a História da Argentina

Presidente eleito em 2023, argentino foi definido como personalidade latino-americana do ano pelo Grupo de Diarios América (GDA)

Javier Milei acena depois de receber a faixa e o bastão presidencial durante sua cerimônia de posse no Congresso em Buenos AiresJavier Milei acena depois de receber a faixa e o bastão presidencial durante sua cerimônia de posse no Congresso em Buenos Aires - Foto: Alejandro Pagni/AFPCapturar

O argentino Javier Milei sabe que alcançou algo que parecia impossível: a Presidência da Nação. Sabe que se tornou a figura mais disruptiva e, talvez, mais proeminente de 2023, e que entrou para os livros de História. No entanto, ele também sabe que as vitórias não são comemoradas até o árbitro apitar o final: só quando o jogo termina fica claro se seu feito é motivo de celebração ou desprezo.

Hoje, o libertário vive uma realidade muito diferente da que enfrentou alguns anos atrás, quando precisou escolher entre se alimentar ou dar comida ao seu cachorro. Seu caminho foi árduo. Pouco se sabe sobre sua infância e adolescência, mas o período é descrito como áspero e doloroso. Ele sofreu violência física e psicológica em casa e bullying na escola, abusos que o levaram a cortar os laços com seus “progenitores” por anos.

Daquela fase, ficaram um apelido e duas paixões. Era chamado de “o louco”, na escola e nas categorias de base do Chacarita, onde o recordam como um “goleiro impetuoso”. Eram os tempos em que ele ostentava uma juba loira com franja no estilo Rod Stewart, ainda que preferisse os Rolling Stones, aos quais prestava homenagem com “Everest”, a banda que também lhe deu alguma fama de “rockstar”.

Na Universidade de Belgrano, estudou Economia e teve sua primeira experiência profissional. Foi estagiário por seis meses no Banco Central, embora tenha terminado mal, como admitiu no debate antes do segundo turno. Completou seu primeiro mestrado e fez outro na Universidade Di Tella, ao mesmo tempo em que consolidava sua adesão às ideias libertárias, ou ao “anarcocapitalismo”.

Essas experiências iniciais, no entanto, mostraram que ele estava longe de repudiar a “casta”. Milei assessorou o legislador nacional Ricardo Bussi e foi economista-chefe da Fundação Acordar, o think tank montado por Guillermo Francos (hoje seu ministro do Interior) para fornecer ideias para a campanha presidencial do governador Daniel Scioli. Entre 2013 e 2015, se aproximou do círculo de Sergio Massa com Guillermo Nielsen e seu amigo, o economista Diego Giacomini. Trabalhou para o empresário Eduardo Eurnekian na Aeropuertos Argentina 2000, onde conheceu outro pilar de seu gabinete: Nicolás Posse.

A veia mística de Milei
Foram anos difíceis para Milei. Ele fazia malabarismos para chegar ao fim do mês, lembram conhecidos próximos, enquanto enfrentava sérios problemas com a AFIP (equivalente argentino da Receita Federal no Brasil). Naquele tempo, ele tinha apenas um terno escuro e gasto com listras, e chegou a pesar 120 quilos porque comia apenas pizzas para poder comprar comidas melhores para seu cachorro Conan.

Milei definia o animal como seu filho. Ele confessou aos seus íntimos que Deus lhes tinha designado uma missão. O argentino chegou a explicar que ele e Conan e conheceram nos anos 2000, no Coliseu romano, como gladiador e leão, mas que não chegaram a lutar porque “O Único”, como ele se refere a Deus, comunicou que eles uniriam forças quando chegasse o momento. E ele chegou: na Argentina de 2023.

Publicamente, ele evita explorar essa veia mística. Mas Milei está convencido de que “O Único” fala com ele, embora às vezes recorra aos dons da taróloga de Karina, sua irmã, para avaliar em quem pode confiar. Ou, ainda, à veterinária Celia Melamed, para conversar com seus cachorros, algo que ele não confirma nem nega. “O que faço dentro da minha casa é meu problema”, disse ele ao jornal El País.

Católico de origem, nos últimos anos Milei se aproximou do judaísmo. Ele estuda a Torá com o rabino Axel Shimon Wahnish como guia espiritual, o mesmo que foi anunciado como futuro embaixador em Israel. Ele considera Moisés seu “ídolo”, e visitou o túmulo do rabino Menachem Mendel Schneerson em sua viagem a Nova York como Presidente eleito. Sua jornada religiosa explica suas invocações retóricas às “forças do Céu” e aos Macabeus em muitos de seus discursos.

Além disso, Milei está convencido de que “O Único” e ele compartilham a mesma visão econômica. Ele baseia as ideias no acadêmico Jesús Huerta del Soto. “Deus é libertário”, pregou o espanhol no YouTube, onde afirma que “O Estado é a encarnação do Mal, do demônio, o veículo do mal”.

'Já estou curado'
Durante anos, Milei também frequentou um psicólogo, com quem se encontrava todas as sextas-feiras à tarde. Os encontros, porém, terminaram abruptamente: o profissional morreu durante a pandemia. Depois, ele chegou a ir a outro terapeuta, mas abandonou as sessões: “Já abordei os problemas que me preocupavam”, comunicou ele aos seus íntimos, dizendo que já estava “curado”.

Publicamente, o argentino faz poucas referências a essa faceta de sua vida, que o jornalista Juan Luis González abordou no livro “El Loco” (“O Louco”). Mas em maio de 2022, por exemplo, ele acusou Rodríguez Larreta, prefeito de Buenos Aires, de querer se intrometer em sua “história clínica”. “Uma das ameaças que recebo é: ou concordo em sair da política, ou conto quais psicofármacos eu tomo”, disse.

Com a morte de Conan, o distanciamento de Giacomini, o fim do relacionamento com a cantora Daniela Mori, e antes da entrada de sua atual namorada em sua vida, Karina aumentou sua influência emocional sobre ele. Ela passou de vendedora de bolos decorados no Instagram para avaliadora de “energias” e “constelações” daqueles que se aproximam do libertário, seja em transe ou com tarô.

'Batalha cultural'
Para Milei e sua irmã, os meandros políticos eram desconhecidos. Eles nunca militaram ou mesmo mostraram interesse pela política, embora a entrada tenha sido natural. Muitos viram a influência de Eurnekian por trás disso. Reduzir sua trajetória política apenas a um empresário, no entanto, seria um erro. Milei preencheu um espaço vazio após duas décadas de frustrações com o kirchnerismo e o Juntos por el Cambio.

O que o levou a entrar na política? Milei repete que chegou o momento de enfrentar a “batalha cultural” contra a “casta”. Não foi mal, embora tenha acumulado controvérsias no caminho para a Casa Rosada. Desde a expulsão em massa de líderes e militantes até denúncias de plágio em seus livros, vendas de candidaturas em seu espaço e até mesmo cobrança de honorários por se reunir com potenciais investidores.

Mas ele venceu. Milei conseguiu personificar um sentimento social de raiva e frustração com a liderança tradicional argentina que carecia de representação política. E agora vem o mais difícil: governar. Apenas dez dias após assumir, enfrentou o primeiro desafio popular nas ruas, com protestos de movimentos sociais que se opõem ao ajuste. O libertário valoriza os resultados. Ele sabe que a gestão é tudo.

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