Opinião

O pentágono do ódio e a nutrição de narrativas ideológicas.

É comum que diante de uma explosão tão massiva de fatos, pareça não haver argumentos para serem contestados. Todavia, existem certas situações nas quais o bom senso se revela capaz de nos levar, pelo menos, ao livre arbítrio do pensar.

Nesse mundo atual de incredulidades surpreendentes, o que explica certas posturas da sociedade, que têm transformado discordâncias em repulsões? Fúrias em ódios? O que pode estar por trás dessa escalada reveladora de tantas formas e atitudes de violências generalizadas?

Por tudo isso, tenho dedicado algum tempo para reflexões sobre esse estado de cólera. Nossa sociedade parece se deparar agora com outra pandemia: a de efeito mental. Esta, aliás, com um engajamento coletivo maior e pior que muitas colônias de microrganismos patogênicos. Estas que dão real sentido ao conceito clássico das pandemias. Portanto, com base nesse princípio, ouso organizar minhas impressões, em algo assim, como exercício de uma modesta teoria.

Apesar de um recurso geométrico ser usado para exercer uma simples metáfora, vale dizer que nada do que aqui tratarei tem a ver com o simbolismo que o termo representa, na intenção de ser um local ou ambiente de defesa e segurança públicas. Tal e qual representa o significado daquele importante reduto do poder nos EUA. Assim, ficarei distante de qualquer intenção de força ou soberba.

Fora de tal contexto, o que quero mesmo é moderação, minimizar conflitos. De qualquer modo, é inegável a profusão de um debate arrasador, que garante notoriedade a algo, que antes era recolhido e controlado pelo ímpeto humano, mas que agora ganhou um vigor preocupante: o ódio escancarado. De impetuosos humanos desprovidos de qualquer sintoma de humanismo. 

De fato, o que existia, mas sobrevivia sob efeito da moderação e do controle, mudou o ritmo e a dose. Por força das circunstâncias atuais, adquiriu uma espécie de "nutrição narrativa" bastante perigosa. Aí, sim, com poderes para lá de exterminadores. E como cinco lados formam um polígono chamado de pentágono, tenho nesse espelhamento geométrico a base dessa teoria. Justo para tentar explicar essa avalanche de posturas, sedimentada pelo ódio generalizado. 

Enfim, mesmo com a simplicidade da proposta, cabe-me expor tal teoria e através dela explicar os cinco lados que dão sentido a cada uma das narrativas de ódio construídas por parte sociedade. Num breve ensaio de intuição científica, talvez sirva como uma pobre filosofia, a expressão atual do ódio, aqui descrita pela metáfora do pentágono. Vou tentar defendê-la.

O primeiro lado desse polígono representa a presunção de se assumir princípios próprios como uma verdade impositiva. Isso chamo de "absolutismo da falsa verdade". Um fenômeno social que teve seu agravamento decorrente das ondas de informações falsas, que ganharam nutrição pelas redes sociais. Por meio destas, nada mais lógica que a compreensão de que uma boa mentira, contada e multiplicada pelas redes, pode (e precisa) se tornar uma verdade. Uma obstinação que se faz absoluta, em nome da soberba e do supremacismo da genética ideológica. Um ofício para quem exercita ideias extremas, praticadas à exaustão. 

O segundo lado representa o repertório de inúmeras e distintas contradições, com base nas opiniões extraídas da  essência de uma ideologia que se quer impor como padrão. Uma postura que tem conquistado dimensão e ritmo naquilo que se processa com o selo da verdade nas redes sociais. Um procedimento contínuo chamado de viralização, que precisa ser visto no sentido mais patológico possivel. Isso chamo de "paradoxo da narcose digital".

O terceiro lado representa a ignorância sobre o significado e o valor do que é público ou coletivo. Isso chamo de "singularidade do poder idiota". O excesso do individualismo e uma defesa viesada do que seja liberal, nega sob todas as circunstâncias o papel do Estado e os compromissos básicos com uma realidade social profundamente desigual. Esse poder idiota é tão singular, que se revela absolutamente cego com relação aos valores da diversidade, do entendimento do plural como riqueza identitária. A própria negação da pandemia, com suas consequências tão maléficas, foi o auge da singularidade do idiotismo.

O quarto lado representa a dissimulação narrativa, no encarar as velhas questões estruturais da sociedade. Na ausência de uma política social fática, uma parte da sociedade finge não existirem impeditivos, que tornaram inconclusa a nossa construção social. Exatamente, num país que parece ter escolhido a via da desiguldade como condição e condução. Isso chamo de "política da hipocrisia na construção social".

O quinto lado representa o tamanho das heresias, que explica a falta de conteúdo democrático e o desrespeito à diversidade. Isso chamo de "autocracia de velhos hereges". De fato, nosso país parece não ter se vacinado contra os decrépitos espasmos autoritários, agora temperados de rebeldia à natureza plural da sociedade brasileira. Tentativas de golpes contra as regras democráticas, desrespeitos aos preceitos constitucionais e agressões às manifestações de instituições organizadas são exemplos que, infelizmente, estão espalhados por meios de contaminação, muitas vezes assumidos voluntariamente. Mais uma incredulidade posta no jogo, após as duras conquistas da sociedade em defesa da liberdade e da democracia.

Bem, é nesse meu esboço teórico, que chamo de "pentágono do ódio", que assim enxergo essa pandemia mental. Como intuiu o grande Mandela, em dada ocasião, "era bem melhor que as escolhas fossem reflexas de um estado de esperança, do que assumi-las pelas ondas dos temores".



*Economista e colunista desta Folha de Pernambuco



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