SAÚDE

O poder da arte: entenda os efeitos do apoio lúdico na recuperação de pacientes em internação

Música, pintura e teatro são os grandes aliados na melhora do emocional de quem precisa viver parte da rotina em um quarto de hospital

O músico Mário Mendes toca para pacientes há mais de 20 anosO músico Mário Mendes toca para pacientes há mais de 20 anos - Foto: Júnior Soares / Folha de Pernambuco

Duas vezes na semana, o silêncio dos corredores do hospital São Marcos, localizado no bairro da Boa Vista, centro do Recife, é interrompido pelo suave som do violino de Mário Mendes. Há mais de 20 anos, o músico divide seu tempo entre a Orquestra Sinfônica do Recife e as performances nos corredores dos hospitais da cidade.

No jaleco, a frase “música é vida” vem acompanhada de bordados coloridos de notas musicais. Mário visita a unidade do hospital particular como parte de um projeto de incentivo às iniciativas artísticas que oferecem apoio lúdico aos pacientes internados. 

O violino de Mário abre portas e sorrisos. Por onde passa, pacientes se animam, pedem fotos, sugerem músicas e recebem palavras de afeto do artista. “Comecei minha carreira falando que nunca tocaria em hospital ou velório, porque achava muito triste. Hoje, percebo que são os lugares de maior tristeza que precisam da alegria da música”, relata. 

O trabalho do músico faz parte de um grande guarda-chuva de atividades artísticas que oferecem apoio para pessoas que estão passando por momentos longos de internação médica. Diferente da arteterapia, especialidade profissional que utiliza da arte para tratamento psicológico profissional, o apoio lúdico tem objetivo de criar laços, promover esperança, felicidade e acolhimento aos doentes. 

Paciente Osmar Duarte e Mário Mendes  Paciente Osmar Duarte e Mário Mendes. Foto: Júnior Soares / Folha de Pernambuco

Amanda Acioli, 26, foi uma das pessoas que teve a vida marcada pelo trabalho de Mário. Ela conta que, quando criança, precisou ficar internada para tratar de uma grave infecção e, por isso, teve o psicológico abalado com a ideia de não conseguir sair do hospital.  

“Um dia, escutei uma música do Roberto Carlos sendo tocada de longe. Quando saí do quarto, vi o Mário com o violino e me emocionei muito. Foi algo tão mágico e lindo que até hoje não sei explicar a dimensão de como aquilo mudou minha vida na época”.

Anos depois, o reencontro aconteceu nos corredores do São Marcos, onde Amanda acompanhava o marido em uma internação e, novamente, seguiu o som do violino até encontrar o homem que mudou sua perspectiva de vida. 

“Saber que ele ainda faz esse trabalho é muito reconfortante. Ele me fez perceber que, independente do que estivesse acontecendo comigo, sempre haveria beleza na vida para ser apreciada. Isso me fortaleceu muito”

O prazer de criar 

A música não é a única forma de trazer o momento alegre para a rotina dos pacientes, outro projeto, também abraçado pelo mesmo hospital, utiliza da arte para desenvolver a imaginação, coordenação motora e autoestima dos enfermos. 

A Moinho, projeto encabeçado por Patrícia Gomes Barbosa com ajuda de um grupo fixo de outras profissionais da área, visita pacientes com a proposta de humanizar o momento do internamento por meio da interação com pintura, desenho e colagem.

Gabriele da Silva, 24, uma das pacientes do grupo, viajou do Amapá com a família para realizar o tratamento em Recife. Distante de casa e isolada na enfermaria, ela aproveita a companhia da professora Jussara Maria para conversar e se distrair. 

“Minha rotina aqui é bem parada. Gosto muito quando ela vem e me coloca para fazer algo diferente”, explica a jovem que, depois das aulas, se inspirou na professora para a escolha da futura profissão. “Antes de adoecer eu cursava psicologia, agora penso em sair daqui e fazer um curso de arteterapia. Acho um trabalho muito lindo”.

Paciente Gabriele da Silva e professora Jussara Maria durante atividade de pinturaPaciente Gabriele da Silva e professora Jussara Maria durante atividade de pintura. Foto: Júnior Soares / Folha de Pernambuco

Nas malas, arrumadas e enfileiradas ao lado da cama, esperando pela alta, a mãe guardou todos os desenhos das sessões anteriores. “Me inspiram muito em melhorar. Quero emoldurar todos quando chegar em casa”, destaca Gabriele.

Na UTI do mesmo hospital, o sentimento de gratidão e esperança se repete. Dessa vez, no quarto de Ivanilson Batista dos Santos, 76, internado há cerca de 43 dias para tratar de uma doença pulmonar obstrutiva crônica. 

Com apenas quatro sessões ao lado da professora Suzana Gomes, Ivanilson, que na primeira aula não quis participar da dinâmica, já fez duas pinturas e segue para uma terceira. “Já fiz para minha esposa e neta, agora é para a minha filha”, conta.

Kalina dos Santos, filha que vai receber a homenagem, explica que o projeto tem feito muito bem para o pai, que já pensa em aderir a atividade como hobby quando sair do hospital. Os laços de amizade com as professoras também são importantes, mesmo cansado, Ivanilson se anima enquanto pinta e conversa com Suzana. 

“Ela me inspira e me dá alegria. Eu nunca tive veia artística e, pela primeira vez, pintei.”, destaca. 

Patrícia Gomes explica que o fenômeno da melhora do humor é muito importante na dinâmica da internação. “Quando a gente chega com uma conversa divertida, uma brincadeira engraçada, eles vão quebrando algumas barreiras emocionais impostas pela doença”.

Pintura realizada por Ivanilson para filha Pintura realizada por Ivanilson para filha. Foto: Júnior Soares / Folha de Pernambuco

Besteirologia por amor 

A diversão no internamento é, há mais de 20 anos, especialidade também dos Doutores da Alegria. O grupo, formado por 12 atores profissionais especializados na arte da palhaçaria, atua em cinco hospitais da rede pública do Recife, com uma agenda de dois atendimentos por semana. 

Intitulados de “besteirologistas” - responsáveis por cuidar da bobagem e besteira - a equipe usa da arte para encantar crianças em internamento. Em 2023, 83.793 pessoas, entre pacientes, acompanhantes e profissionais de saúde foram impactados pelas intervenções dos palhaços. 

De acordo com Arilson Lopes, coordenador do projeto no Recife, o objetivo dos palhaços é realizar o encontro com o paciente e, a partir da interação, estabelecer um momento de troca. “A presença do palhaço faz com que a criança perceba que ali também tem espaço para a brincadeira”, conta.

Os encontros entre palhaços e pacientes nunca são obrigatórios, o foco é estimular a autonomia da criança que, durante a internação, pode sentir que perdeu a independência dos seus desejos. “Elas podem escolher o que fazer e se querem nos receber”, completa.

Doutores da Alegria no hospital Barão de LucenaDoutores da Alegria no hospital Barão de Lucena. Foto: Divulgação

Ainda que os efeitos das atividades lúdicas não impactem diretamente no processo da cura física, a médica Tânia Maria Lago Falcão, líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Humanização e Arte na Universidade de Pernambuco, ressalta que o apoio artístico é um dos principais responsáveis para o desenvolvimento terapêutico do quadro.

“No momento da ação, é preciso enxergar o paciente não como um doente que deve ser examinado, mas como uma pessoa que vai partilhar um momento alegre comigo”. 

De acordo com a médica, dessa forma, o internado consegue aceitar melhor a necessidade da hospitalização. De maneira mais paciente e compreensiva, é possível proporcionar um alívio emocional e uma maior cooperação com os tratamentos implementados que, por vezes, podem ser desconfortáveis.
 

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