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SAÚDE

O preço do vício no celular: uso excessivo do smartphone com posturas inadequadas pode causar lesões

Ao passar tantas horas por dia na frente do celular pode afetar dedos, cotovelos, ombros, pescoço e olhos

Uso excessivo de celulares com postura errada pode provocar lesões e dores Uso excessivo de celulares com postura errada pode provocar lesões e dores  - Foto: Pexels / Fauxels

Os adolescentes passam em média até seis horas por dia no celular. Há quem ultrapasse as 10 horas de uso diário. Viver viciado no smartphone tem consequências. Enquanto alguns especialistas chamam a tendinite do polegar por uso excessivo de "WhatsAppite", outros estão investigando se ela está mudando a forma como os polegares e o cérebro interagem. Mas os efeitos não param por aí: passar tantas horas na frente do celular também pode afetar cotovelos, ombros, pescoço e olhos. Qual é o preço físico de viver colado ao telefone? O corpo poderá evoluir se esta tendência continuar?

— O uso constante do celular gera posturas inadequadas e uma série de movimentos repetidos dos polegares ao escrever alguma mensagem ou ao deslizar pelas telas sensíveis ao toque — explica Jonatan Alonso Morte, graduado em Fisioterapia e membro do grupo de trabalho de estilos de vida e de determinantes de saúde (eVIDE) da Sociedade Espanhola de Médicos Gerais e de Família.

 

Esses movimentos podem criar uma sobrecarga nos tecidos dos dedos: “Principalmente, afetarão nossos tendões, músculos, ossos, articulações e nervos, podendo causar diversas patologias que provoquem dor, rigidez ou até imobilidade dos polegares”. María Martín Jiménez, fisioterapeuta de cuidados primários em Ávila, tratou vários adolescentes com problemas na articulação trapeziometacarpal — localizada na base do polegar — devido ao abuso de smartphones e PlayStation.

O uso constante de smartphones não afeta apenas os menores.

— Normalmente, quando toco o músculo que separa os dedos de uma pessoa, ele fica carregado, e isso geralmente é por estar o tempo todo no celular — diz a fisioterapeuta.

Ao longo dos séculos, o polegar “trabalhou” na maior parte do tempo “fazendo pinças”, segundo Roberto Ucero, especialista em mão e extremidade superior do Colégio Profissional de Fisioterapeutas da Comunidade de Madrid (CPFCM). Porém, ao usar um smartphone, “o polegar se move livremente sem segurar a pinça por muito tempo, o que muda gradativamente seu funcionamento e pode levar a patologias de uso excessivo”.

Os problemas mais comuns geralmente afetam a área ao redor do polegar. “Acima de tudo, gerando uma espécie de tendinopatia nos músculos que abrem o dedo e o afastam do centro da mão; mas também na zona palmar, nos músculos que aproximam o polegar do centro da mão quando queremos digitar”, afirma Daniel Paulino Nogueira , fisioterapeuta e membro da comissão de fisioterapia neuromusculoesquelética do Colégio de Fisioterapeutas da Catalunha . Segundo o especialista, celulares grandes e pesados, digitar rápido e não fazer pausas aumentam o risco de sofrer com esses problemas.

Uma das recomendações dos especialistas para prevenir lesões no polegar é justamente descansar do celular. José Luis Morencia, presidente do Colégio Profissional de Fisioterapeutas de Castela e Leão, sugere “fazer pausas a cada 30 minutos para descansar os polegares”. Ele também aconselha a realização de exercícios para fortalecer a musculatura da mão e do antebraço, evitando segurar o celular com muita força e mantendo-o em uma altura confortável.

David Cecilia López, chefe da unidade de mão e cotovelo do Serviço de Traumatologia do Hospital Universitário 12 de Outubro e membro da Sociedade Espanhola de Cirurgia Ortopédica e Traumatologia, aconselha apoiar o celular na palma da mão e usar o dedo indicador ou do meio da outra mão para digitar. Para escrever muito, os especialistas consultados sugerem usar o computador, enviar áudio, usar ferramentas auxiliares como caneta ou usar ditado de voz.

Dos pulsos ao pescoço
O uso excessivo do celular também pode causar dores nos pulsos, cotovelos ou ombros, segundo Alonso. Também é “muito comum o aparecimento de contraturas e dores cervicais e dorsais ao manter a cabeça inclinada para frente por tanto tempo”. Martín está acostumado a tratar adolescentes com problemas cervicais:

— Eles acabam desenvolvendo cifose, que ocorre quando a curvatura da coluna cervical fica maior do que deveria devido à postura curvada que adotam ao olhar constantemente para o celular. (Esta cifose) Pode tornar-se estrutural e depois é muito difícil de corrigir. Seu corpo fica milhares de horas curvado, e no final você fica com uma espécie de corcunda — explica.

Morencia aconselha evitar ficar curvado ao usar o celular e apoiar os cotovelos em uma superfície para diminuir a carga na musculatura cervical e nos ombros. Para Paulino, não se trata tanto da postura em si, mas sim do tempo que fica na mesma posição sem movimentar diferentes partes do corpo. “A pior postura é aquela que mantemos por muito tempo”, diz Ucero, que recomenda mudar de posição de vez em quando, alongar-se para relaxar os músculos do pescoço e dos ombros e usar suporte, púlpito ou ventosa para o telefone.

Efeitos na saúde visual
Os olhos também podem ser afetados pela exposição prolongada a telas pequenas, como telefones celulares.

— Quando olhamos para perto, as exigências de acomodação e convergência aumentam e o esforço excessivo é colocado sobre os músculos oculares, o que pode causar fadiga visual — diz Ana Belén Cisneros del Río, vice-reitora do Colégio de Optometristas de Castilla e León. A especialista explica que o aumento da miopia em crianças e adolescentes se deve tanto a fatores genéticos quanto ao uso excessivo da visão de perto.

Para minimizar os efeitos negativos do abuso do telemóvel nos olhos, a especialista aconselha colocar o aparelho a cerca de 40 centímetros de distância, garantindo uma boa iluminação ambiente e fazendo pausas. Nesse sentido, ela sugere seguir a regra 20-20-20:

— A cada 20 minutos, relaxe a visão olhando para algo que esteja a 20 pés ou mais de 6 metros de distância - por exemplo, através de uma janela - por 20 segundos.

O que acontece com o cérebro
O uso constante do celular está mudando a forma como o cérebro e os polegares interagem? Yang Wang, professor da Divisão de Ciências de Imagem do Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina de Wisconsin, afirma que o uso prolongado do smartphone pode alterar significativamente essa interação. Algo que, alerta, pode levar a problemas relacionados com o controle motor, força e capacidades cognitivas.

Douglas A. Parry, professor assistente do Grupo de Psicologia da Mídia do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Livre de Amsterdã, destaca que esses efeitos não são exclusivos do uso do telefone celular.

— Estudos sugerem que comportamentos frequentes podem causar alterações no córtex somatossensorial do cérebro — afirma o especialista, autor de diversas investigações sobre o uso de smartphones e o cérebro. Segundo ele, efeitos semelhantes são observados em pessoas que realizam outras atividades motoras finas repetitivas, como tocar um instrumento — Essas descobertas destacam a plasticidade cerebral, em vez de qualquer influência exclusiva dos smartphones diz.

O uso excessivo de telefones celulares e telas também pode ter efeitos negativos na função cognitiva, no aprendizado, na memória e na saúde mental, especialmente em crianças e adolescentes , segundo Wang, embora alguns estudos relacionem o uso intenso do telefone com uma menor capacidade de atenção ou aumento da ansiedade. Parry observa que “essas descobertas são tipicamente correlacionais, não causais”. “Muitos desses efeitos são pequenos, dependentes do contexto e influenciados por diferenças individuais, como personalidade e saúde mental prévia”, destaca.

Quanto à questão de saber se os telefone celulares estão alterando as capacidades cognitivas, Parry diz que estes dispositivos podem encorajar estratégias para gerir a atenção e a memória, como a terceirização de certas tarefas. Mas considera que “estas mudanças refletem comportamentos flexíveis e dependentes do contexto, e não alterações fundamentais nas capacidades cognitivas”.

Impacto do telefone celular na evolução humana
Não há nenhum estudo que sustente categoricamente que, em termos de evolução, o uso constante do celular possa alterar a anatomia dos polegares, das mãos ou mesmo da postura, segundo Cecília.

— A ideia de que os telefones celulares poderiam impulsionar mudanças evolutivas no cérebro é, na melhor das hipóteses, especulativa — acrescenta Parry. Ele garante que a evolução ocorre em escalas de tempo longas – ao longo de gerações com pressões selectivas – e considera improvável que seja significativamente influenciada por uma única tendência tecnológica.

José-Miguel Carretero Díaz, professor da Universidade de Burgos e membro do Laboratório de Evolução Humana, afirma que do ponto de vista evolutivo não haverá alterações na anatomia da mão devido ao uso do celular. O especialista destaca que a atividade muscular do polegar é mínima.

— Fabricamos e manuseamos ferramentas há milhares de anos e a morfologia da mão não mudou — diz. Segundo ele, não há pressão seletiva para que o polegar mude, principalmente em tão pouco tempo. — Além disso, à velocidade com que a tecnologia das comunicações penetra na sociedade, é certo que dentro de pouco tempo nem utilizaremos as mãos para comunicar através de dispositivos móveis — conclui.

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