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Guiana Essequiba

O que acontece após Maduro promulgar lei para criar estado em região disputada por Guiana?

Venezuela e Guiana concordaram em não usar a força para resolver a questão, mas o presidente guianês, Irfaan Ali, afirmou que pontos do acordo estão "seriamente ameaçados"

Rio Essequibo, zona de disputa há décadas entre Guiana e Venezuela Rio Essequibo, zona de disputa há décadas entre Guiana e Venezuela  - Foto: Wikimedia Commons

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, promulgou na quarta-feira (3) à noite a Lei Orgânica para a Defesa da Guiana Essequiba, que contempla a criação do estado da "Guiana Essequiba". A região, rica em petróleo e recursos naturais, é alvo de uma disputa há mais de um século entre a Venezuela e a Guiana, e a decisão de Maduro foi tachada nesta quinta-feira (4) por Georgetown como uma "violação flagrante dos princípios mais fundamentais do direito internacional". O movimento de Caracas, nesse caso, volta a escrever mais um capítulo na tensão relação entre os países — que, até então, gozava de relativa estabilidade.

De acordo com a lei, o estado de "Guiana Essequiba" seria governado a partir da cidade de Tumeremo, no estado venezuelano de Bolívar, a cerca de 100 quilômetros da área reivindicada. A medida também prevê inabilitar politicamente e declarar traidores aqueles que "favoreçam" a causa da Guiana. Na quarta-feira, Maduro ainda denunciou a suposta instalação de "bases militares secretas" de Washington na região.

Em um comunicado publicado em suas redes sociais nesta quinta, mas datado de quarta, o presidente Ali disse que a "tentativa da Venezuela de anexar mais de dois terços do território soberano da Guiana e torná- la parte da Venezuela é [...] ilegal e põe em causa a obrigação da Venezuela de respeitar os princípios dessa Declaração de Argyle", assinada de maneira conjunta em 14 de dezembro do ano passado.

O presidente também afirmou que gostaria de alertar "o Governo da República Bolivariana da Venezuela, os Governos da Comunidade do Caribe e da Comunidade Latino-Americana e Caribenha de Nações (Caricom), bem como o secretário-geral da Nações Unidas e ao secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, que não permitirá a anexação, apreensão ou ocupação de qualquer parte do seu território soberano."

A lei, aprovada pelo Parlamento venezuelano em 21 de março, foi denunciada pelo Ministério das Relações Exteriores guianês como uma "grave preocupação" ao considerar que incorre em uma "violação flagrante de sua soberania". A tensão mais recente na questão de Essequibo ocorreu em fevereiro, quando a petrolífera americana ExxonMobil anunciou a perfuração de dois poços de extração de petróleo no litoral da região ainda este ano.

Escalada da crise
A Venezuela e a Guiana têm uma longa história de disputa territorial pelo Essequibo, que, na prática, está dentro das fronteiras de Georgetown. A região conta com as maiores reservas de petróleo per capita do mundo, descobertas em 2015, e as negociações da Guiana com a gigante petrolífera americana ExxonMobil para sua exploração aumentou ainda mais a importância estratégica do território disputado.

A disputa, porém, remonta ao século XIX e ganhou contornos recentes após a realização de um referendo consultivo em 3 de dezembro sobre a anexação do território, que acabou sendo aprovado por mais de 95% da população.

O "sim" em massa apoiava a criação na região de uma província venezuelana, a "Guiana Essequiba" e a concessão da nacionalidade a seus habitantes — a Venezuela abriu um escritório do serviço de identificação e migração (Saime), em Tumeremo, na fronteira com Essequibo e dias antes anunciou a criação de uma Zona Operacional de Defesa Integral (Zodi), também na região fronteiriça.

As medidas foram rejeitadas pelo presidente guianês, Irfaan Ali, que chegou a contatar o secretário-geral da ONU, António Guterres, e o Comando Sul dos Estados Unidos para informá-los do sucedido. O presidente da Guiana também informou que estava em comunicação com "parceiros bilaterais" — Brasil, o Reino Unido, a França e os EUA — e que as Forças de Defesa da Guiana estavam em contato com seus "homólogos militares, incluindo o Comando Sul dos Estados Unidos", o que foi denunciado como “imprudente” pela chancelaria venezuelana.

A disputa foi levada ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas terminou sem um veredito.

Risco de guerra?
Pouco antes do referendo em dezembro, o presidente Ali declarou esperar que prevaleça "a sensatez", mas garantiu que seu governo está se preparando para qualquer cenário, ao considerar o referendo "uma ameaça para a paz e a segurança na América Latina e no Caribe".

Por sua vez, na época Maduro propôs uma reunião com Ali que se declarou disposto a manter conversas como um "bom vizinho", mas ressaltou que a controvérsia deve ser resolvida na Corte Internacional de Justiça (CIJ), responsável atualmente pelo caso e cuja jurisdição é rejeitada pelo Estado venezuelano.

O governo venezuelano, no entanto, também já defendeu publicamente a invasão do território em disputa há mais de 100 anos, quando a Guiana ainda era colônia britânica, o que preocupa autoridades internacionais.

As partes passaram a gozar de uma relativa estabilidade após terem concordado em não usar a força para resolver a questão. Em um texto de três páginas, assinado de maneira conjunta em dezembro, Caracas e Georgetown "concordaram que direta ou indiretamente não se ameaçarão, nem usarão a força mutuamente em nenhuma circunstância, incluindo aquelas decorrentes de qualquer controvérsia existente entre ambos os Estados". Outro ponto do acordo é o "compromisso de evitar "palavras ou ações" que possam intensificar o conflito".

No seu documento, Ali afirmou que as "declarações ofensivas e indignas" feitas por Maduro "não passaram despercebidos" e que os pontos do acordo "estão agora seriamente ameaçados pelas palavras e ações do presidente Maduro".

Força desproporcional
Numa hipotética guerra entre Venezuela e Guiana, Georgetown estaria seriamente ameaçada. A Venezuela é o 6º país que mais investe na área militar no mundo, enquanto a Guiana está apenas na 152ª posição, segundo o The World Factbook, da CIA, a Agência de Inteligência Central americana.

As Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (Fanb) têm um efetivo aproximado de 125 mil a 150 mil militares na ativa, e 8 mil reservistas, segundo dados da CIA. Porém, além do Exército, da Marinha e Força Aérea, as Fanb também contam com mais três braços especiais, incluindo a Milícia Nacional Bolivariana e a Guarda Nacional (GNB).

A Milícia Bolivariana, incorporada como um "componente especial" às Fanb em 2020, consiste em cerca de 225 mil civis armados, enquanto a GNB, uma força militar e policial, conta com cerca de 30 mil membros. Há ainda um contingente extra de até 45 mil da Polícia Nacional Bolivariana (PNB), que não faz parte das Fanb, mas podem ser acionadas.

Em contraste, a Guiana tem um Exército pequeno e relativamente jovem — formado em 1966, após a independência do Reino Unido —, com cerca de 3 mil soldados, segundo a CIA.

Brasil envolvido
O Brasil, por sua vez, defende uma solução pacífica e esteve envolvido nas negociações entre as partes e deu apoio à decisão conjunta de não usarem as forças. A paz, neste caso, era necessária principalmente por seus interesses soberanos: para invadir a Guiana, Caracas teria que necessariamente passar pelo território brasileiro.

Isso porque, a fronteira entre Venezuela e Guiana é predominantemente formada por selva, o que impede o deslocamento de colunas de viaturas blindadas e dificulta o deslocamento de tropas a pé, assim como o envio dos suprimentos necessários à manutenção das tropas em combate. Por outro lado, na fronteira com Roraima, a vegetação de campos gerais é adequada ao movimento das tropas.

Pouco antes do referendo consultivo, o Brasil reforçou sua segurança Pacaraima — cidade de Roraima próxima à tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana, enviando 60 militares adicionais do Exército. em Em dezembro, dias após a assinatura da Declaração de Argyle, Maduro enviou tropas para a fronteira com o Brasil em resposta à chegada de um navio da Marinha britânica à costa guianense.

O início da disputa
De um lado, a Guiana se atém a um laudo arbitral de Paris de 1899, no qual foram estabelecidas as fronteiras atuais. Do outro, a Venezuela se apoia em sua interpretação do Acordo de Genebra, firmado em 1966 com o Reino Unido, antes da independência guianesa, em que Londres e Caracas concordam em estabelecer uma comissão mista "com a tarefa de buscar uma solução satisfatória" para a questão, uma vez que o governo venezuelano na ocasião considerou o laudo arbitral de 1899 "nulo e vazio". No acordo, no entanto, Londres apenas reconhece esse posicionamento de Caracas, mas não respalda sua interpretação de que o laudo arbitral de 1899 foi baseado em uma fraude.

Uma solução nunca foi alcançada entre a Venezuela e a Guiana após a independência do país e a controvérsia está atualmente nas mãos da Corte Internacional de Justiça (CIJ), cuja jurisdição sobre o caso, reconhecida por ela própria, é rejeitada pelo Estado venezuelano. O governo Maduro pressiona por negociações diretas com Georgetown, que rejeita a iniciativa. A CIJ, no entanto, foi escolhida para a solução da disputa em 2017 pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, que se valeu da prerrogativa estabelecida pelo próprio Acordo de Genebra no caso de as partes não chegarem a um entendimento. (Colaboraram Thayz Guimarães e Amanda Scatolini)

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