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ESTADOS UNIDOS

O que acontece se Trump perdoar os envolvidos no ataque ao Capitólio, que completou quatro anos?

Para analistas, promessa do presidente eleito pode fragilizar justiça americana, empoderar outros ataques às instituições democráticas e normalizar invasão

Policiais do Capitólio dos EUA ficam de guarda do lado de fora do Capitólio dos EUA antes de uma sessão para certificar os resultados da eleição presidencial de 2024 Policiais do Capitólio dos EUA ficam de guarda do lado de fora do Capitólio dos EUA antes de uma sessão para certificar os resultados da eleição presidencial de 2024  - Foto: Saul Loeb/AFP

Ainda em março, quando era pré-candidato à indicação pelo Partido Republicano para disputar as eleições de 2024, Donald Trump prometeu libertar os detidos pelo envolvimento no ataque contra o Capitólio, que completou quatro anos na segunda-feira. Já como presidente eleito, não esqueceu do perdão prometido, afirmando que virá ainda no primeiro dia, "nos primeiros nove minutos" de seu mandato. Faltando poucos dias para sua posse, com os eventos da última ainda frescos na memória americana e do mundo, a pergunta que paira é: o que acontecerá se a promessa for cumprida?

— Nunca tivemos nenhum evento como o 6 de janeiro, então eu acho que perdoar pessoas que fizeram parte disso seria sem precedentes por natureza — observou Alex Conant, estrategista republicano que já trabalhou para o futuro secretário de Estado, Marco Rubio, ao Wall Street Journal.

 

Atualmente, os casos de perdão são tratados em um escritório dentro do Departamento de Justiça, como explica Kim Whele, autora de “Pardon Power” (2024). A especialista afirma que aqueles que buscam perdão preenchem um formulário e que há vários critérios a serem respeitados. Em quatro anos de mandato de um presidente, esses advogados classificam cerca de “dez mil” pedidos e fazem recomendações ao mandatário, que pode aceitar ou não.

— Mas [com o perdão presidencial] o presidente pode pular todo esse processo, o que também permite ignorar as diretrizes de aplicação, como uma que afirma que os condenados só são elegíveis cinco anos após o término da sentença — explicou a especialista.

Whele disse que nem todos os perdões que ignoram o processo habitual são controversos, e que presidentes dos dois partidos já lançaram mão da estratégia — algumas, polêmicas. No mais recente, Joe Biden, concedeu o perdão ao filho Hunter, condenado em um processo federal por mentir sobre o uso de drogas para comprar uma arma e processado por evasão fiscal.

A ação de Biden "claramente torna mais fácil para Trump" usar o perdão de maneira similar, explicou Conant, já que geralmente a sociedade não recebe bem os presidentes que não seguem nenhum processo do Departamento de Justiça, aplicando o perdão de uma forma que "um cidadão comum não seria considerado para esse tipo de indulto".

'Prejudicaria Justiça dos EUA'
Para um porta-voz da Sociedade pelo Estado de Direito, em entrevista ao jornal britânico The Guardian, os reflexos seriam sentidos aqui e agora, com uma fragilização do sistema judiciário americano e um empoderamento para aqueles que atentam contra as instituições do país.

— [O perdão] prejudicaria o judiciário e o sistema de justiça criminal dos EUA e enviaria uma mensagem aos americanos de que atacar as instituições democráticas dos EUA é apropriado e justificável — disse.

Em geral, quem se posiciona de maneira contrária à promessa de Trump argumenta que perdoar os envolvidos no ataque ao Capitólio seria não só normalizar a invasão e falta de respeito aos ritos democráticos (que não apenas deixaram marcas na história da democracia do país, como cinco pessoas mortas e cerca de 140 policiais feridos), mas também fazer vista grossa a crimes graves.

Desde aquela tarde de janeiro, mais de 1,2 mil pessoas foram condenadas ou se declararam culpadas. Destes, mais de um terço foi acusado de crimes que envolvem agressão, resistência ou obstrução à aplicação da lei, informou o Wall Street Journal. A CBS informou, por sua vez, que pelo menos 170 são acusados de usar armas mortais ou perigosas, como extintores de incêndio e spray de urso contra policiais. O Departamento de Justiça afirma que centenas cumprem ou já cumpriram penas de prisão.

Joseph Biggs, líder do grupo de extrema direita Proud Boys e que desempenhou um papel crucial na invasão, e Stewart Rhodes, líder do Oath Keepers, foram condenados por conspiração sediciosa. Isto é, conspirar “para derrubar, reprimir ou destruir pela força o Governo dos Estados Unidos, [...] ou pela força impedir, dificultar ou atrasar a execução de qualquer lei” do país, crime que pode resultar em até 20 anos de prisão. Biggs e Rhoeds foram condenados a 17 e 18 anos de cárcere, respectivamente.

— A noção de que Stewart Rhodes poderia ser absolvido é assustadora e deveria ser assustadora para qualquer um que se importe com a democracia neste país — disse o juiz Amit Mehta, citado pelo Guardian.

O Departamento de Justiça, também citado pelo jornal britânico, é incisivo ao dizer que “a dissuasão geral pode ser o motivo mais convincente para aplicar uma sentença de prisão”.

Quem vai receber o perdão?
Até o momento, não há detalhes sobre quem será beneficiado pelo perdão presidencial. Em resposta à imprensa americana, a porta-voz de Trump, Karoline Leavitt, disse que o presidente eleito "perdoará os americanos aos quais foi negado o devido processo legal e foram processados de maneira injusta pelo Departamento de Justiça emparelhado." Em outro comunicado, Leavitt afirmou que a concessão do perdão será feita caso a caso.

Trump constantemente muda seus discursos sobre quem receberá o benefício. Um dia após o 6 de janeiro, disse que aqueles que se envolveram em episódios violentos e de destruição “pagarão”. Depois, passou a usar a promessa para mobilizar sua base antes da eleição, chegando a descrever o ataque como um “dia de amor” e os desordeiros como “reféns”. Agora, quando questionado se nem todos serão perdoados, limita-se a dizer que analisará individualmente cada caso.

Nem Trump, nem sua porta-voz explicaram como será feita essa análise.

O ex-chefe de Gabinete da Casa Branca Leon Panetta disse ao Guardian que Trump até poderia usar corretamente o perdão presidencial a réus do 6 de janeiro que tivessem sido, de modo comprovado, “falsamente acusados ou tiveram problemas” com sua acusação.

— Isso precisa ser levado em consideração — argumentou Panetta, que também foi diretor da CIA e secretário de Defesa. — [Apesar disso], não há nenhuma dúvida [de que] a multidão estava determinada a garantir que a Constituição não fosse seguida quando se tratasse da eleição. E isso é o mais próximo de uma insurreição que este país já chegou.

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