O que aconteceu com o sistema contra enchentes de Porto Alegre?
O pior desastre natural da história do estado deixou pelo menos 150 mortos e mais de cem desaparecidos devido às tempestades que provocaram cheias inéditas
A cidade de Porto Alegre, duramente afetada pelas enchentes que devastaram o sul do Brasil, possui um amplo sistema de proteção que deu à população "uma falsa sensação de segurança", afirma Leomar Teichmann, engenheiro especializado em drenagem urbana.
Este dispositivo construído ao longo do lago Guaíba deveria proteger 40% da cidade, explica à AFP o consultor de engenharia e ex-diretor adjunto do serviço de água e esgoto da capital do Rio Grande do Sul, com 1,4 milhão de habitantes.
O pior desastre natural da história do estado deixou pelo menos 150 mortos e mais de cem desaparecidos devido às tempestades que provocaram cheias inéditas. Mais de 600.000 pessoas tiveram que abandonar seus lares.
Leia também
• Aeroporto de Porto Alegre está fechado por tempo indeterminado
• Anac determina suspensão da venda de passagens para aeroporto de Porto Alegre
• Hospital de campanha em Porto Alegre irá atender 200 pacientes por dia
Pergunta: Em que consiste o sistema de proteção de Porto Alegre?
Resposta: O sistema foi projetado após a inundação ocorrida em 1967 e construído na década de 1970. É composto por cerca de 65 km de diques e por um muro de concreto de 2670 m, além de 14 portões (comportas) e 22 estações de bombeamento de esgoto pluvial. Era um sistema simples e parecia ser funcional, pois garantiria a proteção da parte urbanizada de Porto Alegre.
Este sistema, contudo, nunca havia sido testado na prática até novembro de 2023, pois somente nesta ocasião o nível do Rio Jacuí ultrapassou os 3 m, que é a cota do Cais Mauá. Em outra palavras, o sistema ficou 51 anos sem que a água do rio Jacuí tocasse o muro.
P: Por que não funcionou para proteger a cidade?
R: O portão n⁰14 se deformou com a grande pressão da água e esta começou a vazar com grande volume e velocidade. A quantidade de água era tão grande que as estações de bombeamento ali próximas foram rapidamente inundadas, provocando o desligamento das bombas.
A inundação provocada pela falha do portão foi tão rápida que toda a região foi inundada em poucas horas. Esta inundação acabou provocando o desligamento da energia elétrica das áreas em que a água chegou e, com isso, que todas as estações de bombeamento ao norte da Usina do Gasômetro parassem de funcionar.
P: Quais as consequências dessas falhas?
R: Já em 2019 eu afirmava que o sistema de proteção instalado em Porto Alegre dava para a população uma falsa sensação de proteção e segurança, pois não havia como conter a água em caso de falha de algum dos elementos que compõe este sistema.
É um sistema antigo, com muitos pontos sujeitos à falhas e que demandam altos investimentos em operação e manutenção. Muito se fala sobre Porto Alegre, mas este mesmo tipo de sistema de proteção contra inundações foi construído em Canoas, São Leopoldo e Novo Hamburgo e também nestas cidades o sistema foi superado pelo nível da água.
Em todas estas cidades a água invadiu muito rapidamente as áreas que deveriam estar sendo protegidas e provocaram tragédias maiores do que se o sistema não existisse.
A velocidade de subida do rio foi menor do que a velocidade com que as águas invadiram as regiões que estavam protegidas pelos diques.