O que se sabe até agora sobre a causa das mortes durante entrega de ajuda humanitária em Gaza
Autoridades palestinas denunciam disparos indiscriminados contra a população civil; Israel muda versão oficial e afirma que não atirou nos palestinos que aguardavam os caminhões de farinha
Ao menos 112 pessoas foram mortas e 760 ficaram feridas durante a entrega de ajuda humanitária na Faixa de Gaza, por volta das 4h30 (horário local) desta quinta-feira, segundo o Ministério da Saúde do território. De acordo com autoridades palestinas, soldados israelenses teriam disparado indiscriminadamente — usando armas de fogo, tanques e drones — contra a população, que fazia fila para buscar os mantimentos. Mais cedo, as Forças Armados de Israel afirmaram, em nota, que a tragédia teria sido causada por uma confusão durante a entrega, que levou os militares a atirarem para o ar e contra as pernas de pessoas que tentavam saquear os suprimentos. No entanto, o porta-voz das Forças Armadas israelenses, Daniel Hagari, negou a versão oficial da corporação horas depois.
— Não atiramos contra os que buscavam ajuda, nem do ar, nem do chão — disse Hagari, alegando que as pessoas foram mortas devido à aglomeração e ao atropelamento não intencional dos caminhões de ajuda, que tentavam fugir do tumulto.
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A tragédia começou quando 30 caminhões com farinha atravessavam uma rotatória na rua al-Rasheed, no bairro de Sheikh Ajleen, no oeste da Cidade de Gaza, onde centenas de palestinos aguardavam a ajuda. Os primeiros disparos foram ouvidos por volta das 4h30 do horário local, quando ainda estava escuro, o que pode ter colaborado para o tumulto.
Testemunhas relataram à AFP que viram milhares de pessoas correndo na direção dos caminhões de ajuda humanitária que se aproximavam. Uma pessoa afirmou que os veículos com as doações chegaram “muito perto de alguns tanques do Exército israelense que estavam na área, e milhares de pessoas simplesmente avançaram sobre os caminhões”. Nesse momento, afirmou, “os soldados dispararam contra a multidão”.
Segundo um alto funcionário do Exército de Israel, os soldados primeiro dispararam "tiros de advertência" quando as pessoas correram em direção aos caminhões, e só depois abriram fogo.
— Foram disparos limitados, não foi um acontecimento maciço do nosso ponto de vista — acrescentou a fonte à AFP.
Moradores que aguardavam a chegada da ajuda junto com a multidão relataram outra versão dos fatos:
— Estava esperando desde ontem. Por volta das 4h30 desta manhã, os caminhões começaram a chegar. Quando nos aproximamos dos caminhões de ajuda, os tanques e aviões de guerra israelenses começaram a disparar contra nós, como se fosse uma armadilha — relatou à al-Jazeera, sob anonimato, uma testemunha.
Nas redes sociais, diversos vídeos mostram o momento da tragédia. Em um deles, verificado pela agência Reuters, várias pessoas aparecem desacordadas e feridas. Uma filmagem transmitida pelo canal árabe da al-Jazeera mostra o momento em que uma multidão tenta fugir, no escuro, enquanto diversos disparos são ouvidos ao fundo, atribuídos pelo canal ao Exército de Israel.
De acordo com um correspondente da al-Jazeera em Gaza, as ambulâncias não puderam chegar à área porque as estradas estavam "totalmente destruídas". Grande parte dos mantimentos que seriam entregues estão encharcados de sangue, acrescentou. Imagens mostram corpos de pessoas mortas e feridas sendo levadas em caminhões e charretes. As vítimas foram encaminhadas para quatro hospitais: al-Shifa, Kamal Adwan, Ahli e centros médicos da Jordânia em Gaza.
Segundo Jadallah al-Shafei, chefe do departamento de enfermagem do hospital al-Shifa, "o hospital foi inundado com dezenas de cadáveres e centenas de feridos". Uma parte do centro médico não está funcionando por falta de combustível, utilizado no fornecimento de energia. Também não há medicamentos disponíveis e o estoque de sangue está perto do fim, de acordo com um correspondente da al-Jazeera que está no hospital, cenário que pode elevar ainda mais o número de mortos.
— A maioria das vítimas sofreu tiros e estilhaços na cabeça e na parte superior do corpo — disse o chefe de enfermagem do al-Shifa, em entrevista à al-Jazeera, contradizendo a versão israelense de que os disparos haviam sido nas pernas. — Elas foram atingidas por disparos diretos de tanques, drones e armas de fogo.
Após quase cinco meses de guerra entre Israel e Hamas, as Nações Unidas estimam que 2,2 milhões de pessoas, a grande maioria da população, estejam ameaçadas pela fome em Gaza, especialmente no norte, onde destruição, combates e saques tornam quase impossível o transporte de ajuda humanitária. Também nesta quinta-feira, o Ministério da Saúde de Gaza anunciou que mais de 30 mil pessoas morreram como consequência das operações israelenses no enclave desde o início da guerra, em 7 de outubro, desencadeada com o ataque do Hamas a Israel que deixou ao menos 1.100 mortos e cerca de 240 reféns.
Segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA, na sigla em inglês), quase 2,3 mil caminhões de ajuda entraram na Faixa de Gaza em fevereiro, com uma média de 82 veículos por dia. O número é 50% menor que em janeiro. Antes do conflito atual, quando as necessidades da população eram menos urgentes, cerca de 500 caminhões entravam no enclave todos os dias.