GUERRA NO ORIENTE MÉDIO

O que se sabe (e o que falta saber) sobre a explosão no hospital em Gaza

Tragédia provocou morte de centenas de pessoas e foi denunciada internacionalmente como um crime de guerra

Foto divulgada pelo Hamas de ataque de Israel a um hospital no centro da cidade de Gaza Foto divulgada pelo Hamas de ataque de Israel a um hospital no centro da cidade de Gaza  - Foto: Divulgação/Hamas

O Hospital Árabe al-Ahli — o mais antigo de Gaza, fundado em 1882 — foi atingido por uma forte explosão na terça-feira, no 11º dia do conflito entre Israel e Hamas , iniciado após o ataque do grupo terrorista palestino ao território israelense que deixou ao menos 1.400 mortos, a maioria civis.

Centenas de pessoas morreram durante a explosão, que foi alvo de condenações por líderes internacionais e motivou protestos, sobretudo em países árabes. A escalada no conflito também provocou o acirramento de uma guerra de versões, com o Hamas acusando Israel, que por sua vez responsabilizou o grupo extremista Jihad Islâmica, aliado do Hamas.

O Ministério da Saúde de Gaza, sob administração do Hamase , afirmou que 471 pessoas morreram 342 ficaram feridas — 28 delas em estado crítico — após a explosão, em um balanço divulgado na manhã desta quarta-feira. O número é inferior ao anunciado inicialmente.

 



Em um comunicado na terça, o grupo disse que 870 pessoas teriam morrido no "novo crime de guerra cometido pela ocupação", termo pelo qual se refere a Israel. Um porta-voz do órgão de saúde, Ashraf al-Qidram, fez uma estimativa mais próxima do número divulgado nesta quarta. Enquanto o resgate após a explosão ainda acontecia, al-Qidram disse em uma entrevista televisiva que havia ao menos 500 mortos.

A contagem feita pelo Hamas rapidamente entrou na mira de Israel. Antes mesmo de as autoridades negarem oficialmente a autoria do bombardeio, o porta-voz das Forças Armadas, Daniel Hagari, questionou os números divulgados pela autoridade de Gaza, e deu a entender que a explosão poderia ser resultado de um ataque lançado por algum grupo dentro de Gaza.

— O evento acabou de ocorrer e já foram divulgados números tão precisos? Há também falhas de disparo de mísseis e o Hamas espalha notícias falsas. Mas estamos investigando e contaremos a verdade ao público assim que a tivermos verificado — disse o porta-voz, na tarde de terça (noite em Israel).

Guerra de versões
A destruição do hospital — que abrigava milhares de deslocados pelo conflito, além dos pacientes regulares — rapidamente se tornou o centro de uma guerra de versões, em que Israel, Hamas e a Jihad Islâmica trocaram acusações sobre a responsabilidade pelo bombardeio, que é descrito como um crime de guerra.

No mesmo comunicado em que informou sobre a explosão no hospital, o Ministério da Saúde de Gaza acusou Israel de cometer um crime de guerra.

O presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, decretou três dias de luto oficial pelo que chamou de "brutal ataque aéreo israelense". A ANP governa apenas a Cisjordânia, após ter perdido o controle de Gaza para o Hamas na última eleição realizada nos territórios palestinos, há mais de uma década — com a recusa da ANP em reconhecer o resultado, o Hamas tomou o poder pela força em Gaza

O silêncio inicial de Israel era amplificado a cada condenação de líderes internacionais após a notícia da destruição do centro de saúde.

Nas horas que separaram o anúncio palestino e o posicionamento oficial de Israel, mesmo as reações que não citavam diretamente o Estado judeu eram influenciadas pelo contexto dos bombardeios incessantes realizados pelas forças israelenses contra Gaza por mais de uma semana e denúncias anteriores de ataques indiscriminados contra alvos civis.

A Jordânia responsabilizou "a força ocupante" pela explosão no hospital e cancelou um encontro de cúpula regional que sediaria nesta quarta-feira com o presidente americano, Joe Biden, em visita à área.

O presidente Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, afirmou que "o exemplo mais recente dos ataques israelenses é desprovido dos valores humanos mais básicos". O secretário-geral da Liga Árabe, Ahmed Aboul Gheit, questionou qual "mente diabólica" estaria por trás de um bombardeio a um hospital.

Embora tenha sido mais forte em países de maioria árabe, as condenações ao que até então era tratado como um ataque israelense também chegaram do Ocidente.

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, não mencionou Israel, mas disse que o ataque contra infraestruturas civis "não está em linha com o direito internacional". O diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, condenou "energicamente" o bombardeio do hospital, ressaltando que ele estava em funcionamento.

Apenas às 23h (17h em Brasília), as Forças Armadas israelenses atribuíram o ataque à Jihad Islâmica, organização palestina também considerada terrorista por Israel.

O primeiro comunicado emitido pelos militares apontou que "após análises dos sistemas operacionais" do Exército e "de acordo com informações de inteligência de diversas fontes", a explosão teria sido provocada por um "lançamento fracassado de foguete" pelo grupo, quando tentava atingir Israel.

'Exposed' nas redes e remoção de vídeos
Enquanto manifestações anti-Israel aconteciam em países do Oriente Médio, principalmente diante de representações ocidentais (na Tunísia, por exemplo, manifestantes protestaram em frente à Embaixada da França), Israel lançou uma pesada campanha nas redes sociais para reverter a narrativa inicial apresentada pelo Hamas.

Um vídeo bruto do que seria o momento da explosão mostra um foguete aparentemente disparado de dentro de Gaza. Uma explosão é vista no céu e, instantes depois, uma explosão acontece no solo. De acordo com o Exército israelense, trata-se do foguete mal disparado pela Jihad Islâmica.

Em um outro vídeo, os israelenses apresentam imagens que teriam sido obtidas por sua Força Aérea da área ao redor do hospital antes e depois da explosão.

Na análise feita pelos israelenses, o diâmetro da área de impacto é incompatível com os explosivos utilizados por Israel, que deixariam crateras de sete a dezenove metros.

A gravação também aponta que não houve danos relevantes ao teto da estrutura, sendo a maior parte do dano causada no estacionamento do hospital, que seria o local de impacto do foguete.

 

Ainda na tentativa de apresentar seu argumento, o Exército publicou um suposto diálogo entre dois integrantes do Hamas, que teria sido interceptado pelas forças israelenses. No áudio, em árabe e traduzido pelos militares israelenses, os homens parecem discutir as evidências apresentadas pelas forças de Israel, citando o argumento do vídeo anterior, de que os estilhaços do telhado não seriam compatíveis com as munições israelenses.

 

A certa altura, uma das vozes captadas diz:

 

— É nosso [o foguete]?

 

— Parece que sim — responde o outro homem, identificado como militante do Hamas.

 

Em outra parte do diálogo, um deles parece praguejar sobre a situação:

 

— Mas Deus abençoe, não poderia ter encontrado outro lugar para explodir?

 

O homem que parece ter conhecimento da situação afirma ainda que disparos teriam sido feitos a partir de um cemitério atrás do complexo hospitalar, e um dos foguetes mal disparados teria caído e explodido.

 

Embora as evidências apresentadas por Israel sejam as mais materiais trazidas a público até o momento — apesar de não se tratar de uma verificação independente — causou dúvida no público em geral o fato de autoridades israelenses, incluindo uma conta oficial do governo no X (antigo Twitter), ter apagado vídeos publicados, que em um primeiro momento foram apresentados como sendo do momento da explosão no Hospital al-Ahli.

 

O incidente não diminuiu a campanha israelense nas redes. A conta oficial das Forças Armadas respondeu e citou publicações de veículos de imprensa, como BBC e Al-Jazeera, acusando as publicações em língua inglesa de propagarem a versão do Hamas e porem em dúvida a versão de Israel.

 

O porta-voz das Forças Armadas, Daniel Hagari, fez uma série de publicações na manhã de quarta, reafirmando a versão oficial israelense. "Em anexo estão imagens de vídeo desta manhã no hospital na Cidade de Gaza, que foi atingido por um foguete fracassado lançado pela organização terrorista Jihad Islâmica na noite passada.

 

Pode-se observar que os danos causados pelo lançamento fracassado de foguetes da Jihad Islâmica estão no estacionamento próximo e não são semelhantes a uma cratera resultante de um ataque. Além disso, os edifícios ao redor do hospital não foram danificados. Esta é mais uma prova de que as IDF não atacaram essa área", escreveu ele, usando a sigla em inglês para as Forças Armadas de Israel.

 

Apoio americano

 

Em meio à polêmica criada em torno da tragédia no hospital, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pousou em Tel Aviv para demonstrar apoio a Israel nesta quarta-feira. Biden foi recebido pelo premier Benjamin Netanyahu na pista de pouso do Aeroporto Ben-Gurion, e os dois fizeram um pronunciamento conjunto à imprensa, no qual Biden declarou que, pelas informações que tinha, o ataque ao hospital foi lançado "pelo outro time".

 

Horas depois da fala de Biden em Israel, o jornal americano The Wall Street Journal publicou que autoridades americanas teriam coletado evidências que mostram que a explosão no hospital em Gaza foi causada pelo grupo Jihad Islâmica, mesma versão dada pelo governo israelense.

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