O que se sabe sobre transplantados diagnosticados com HIV no Rio: 286 pacientes serão retestados
Exames laboratoriais nos órgãos doados são feitos no Rio pelo laboratório Patologia Clínica Dr. Saleme, contratado pela Fundação Saúde, do governo do estado
Um erro inédito na história do serviço brasileiro de transplantes de órgãos, que desde 2006 já salvou cerca de 16 mil vidas, veio à tona na sexta-feira (11): seis pessoas testaram positivo para HIV após receberem órgãos infectados em cirurgias feitas no Rio.
A Secretaria estadual de Saúde (SES) classificou o caso, revelado pela BandNews, como “sem precedentes”. A infecção de pacientes começou a ser investigada depois de um transplantado apresentar complicações neurológicas nove meses após a operação.
Todos os exames laboratoriais nos órgãos doados são feitos no Rio pelo laboratório Patologia Clínica Dr. Saleme, contratado pela Fundação Saúde, do governo do estado. Os testes foram revisados por meio de contraprovas realizadas pelo Hemorio e indicaram que mais pacientes estavam contaminados.
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"Sempre que um transplante é realizado, amostras reservas de sangue dos doadores ficam guardadas no Hemorio. A testagem delas indicou resultado positivo (na contraprova), diferentemente do que constava no laudo inicial da PCS. A partir de agora, vamos testar amostras reservas de mais 286 doadores, cujas coletas aconteceram de dezembro de 2023 a setembro de 2024", disse a secretária estadual de Saúde, Cláudia Mello.
O laboratório, que fica em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, foi escolhido por licitação via pregão eletrônico para atender ao programa de transplantes. A empresa pertence a um primo e a um tio do deputado federal Doutor Luizinho (Progressistas), que era o secretário estadual de Saúde durante parte do processo de contratação.
Após a notificação da secretaria, uma fiscalização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária identificou uma série de irregularidades e determinou a interdição do PSC.
Com isso, todos os exames para os transplantes passaram a ser feitos pelo Hemorio. Há a suspeita de que os testes de HIV sequer tenham sido feitos pelo PCS no material dos doadores.
O Ministério Público do Estado do Rio (MPRJ) e as polícias Civil e Federal abriram investigação, e o Ministério da Saúde determinou uma auditoria urgente pelo Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (DenaSUS) no sistema de transplante do Rio, além de ter determinado o fechamento do laboratório. O Conselho Regional de Medicina também acompanha o caso.
‘Inadmissível’
O governador Cláudio Castro (PL) se manifestou por volta das 19h de ontem, em nota no X, em que disse se tratar de “uma situação inadmissível e sem precedentes a falha no serviço de transplantes no estado”. Acrescentou ter determinado celeridade nas investigações.
“Desde o início, tomamos todas as medidas necessárias e vamos até o fim para que este erro jamais se repita. Quero assegurar apoio irrestrito aos transplantados afetados. O estado tem o dever de assumir sua responsabilidade no caso. Reitero meu compromisso em preservar a segurança do sistema estadual de transplantes”, escreveu o governador.
O primeiro doador soropositivo teve morte encefálica e atendimento no Hospital municipalizado Adão Pereira Nunes, em Saracuruna, em janeiro.
Dele, foram captados o coração, a córnea e os dois rins. Já o segundo, uma mulher de 40 anos, foi atendido no Hospital Municipal Albert Schweitzer, em Realengo, e doou os rins e o fígado.
As amostras de sangue, segundo Cláudia Mello, teriam sido coletadas nas unidades de saúde e enviadas ao PCS para análise.
Os seis pacientes contaminados têm sido atendidos por uma equipe multidisciplinar da Secretaria estadual de Saúde. A base será o Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Uerj, em Vila Isabel. Eles foram receptores de rins, fígado e coração. Um paciente que recebeu a córnea do doador infectado testou negativo, já que o órgão não é tão vascularizado. Uma sétima pessoa receptora de um fígado morreu logo após a operação por complicações de outra doença.
— Não cremos que o número de doadores positivos vá crescer, mas estamos realizando novos testes para avaliar todos os cenários. Esse foi um evento grave, importante, que não deveria ter acontecido, mas a gente não trabalha com essa crença de que irá aumentar. A resposta virá quando o Hemorio enviar os laudos finais — disse a secretária.
A ministra da Saúde, Nísia Trindade, afirmou que o governo dará assistência especializada às pessoas que testaram positivo.
O laboratório PCS, responsável pelos exames de análises clínicas e anatomia patológica na Central Estadual de Transplantes, também atuava em ao menos outras 12 unidades de saúde estaduais, como hospitais, institutos e centros especializados.
De acordo com a Secretaria de Saúde, em outubro de 2023, o PSC venceu um pregão eletrônico, por concorrência pública, para prestar serviço de análises clínicas em unidades geridas pela Fundação Saúde. Segundo Cláudia Mello, todos esses contratos com o governo estadual foram suspensos:
— A própria Fundação Saúde já substituiu esses contratos pelos de outra prestadora.
Na Secretaria estadual de Saúde, sindicância interna foi aberta para identificar e punir os responsáveis. A investigação também busca respostas sobre a capacidade técnica informada pela PCS à época da licitação. O RJ2, da TV Globo, revelou que a profissional de saúde responsável por assinar os laudos não tem registro profissional comprovado.
O que diz o laboratório
No fim da noite, em nota, o PSC se colocou à disposição das autoridades policiais e de Vigilância Sanitária e informou que “abriu sindicância interna para apurar as responsabilidades do caso”.
No texto, a empresa diz ainda que repassou à Central Estadual de Transplantes “os resultados de todos os exames de HIV realizados em amostras de sangue de doadores de órgãos entre 1º de dezembro de 2023 e 12 de setembro de 2024, período em que prestou serviços à Fundação Saúde”.
A empresa informou ainda que “nos procedimentos foram utilizados os kits de diagnóstico recomendados pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa”.
De acordo com o Hemorio, 711 pacientes passaram por transplantes este ano no estado. Os rins foram os órgãos mais recebidos: 404 de doador falecido e 32 de doador vivo.
Depois, vieram fígado (219) e coração (24). O transplante de um órgão no Brasil passa por várias etapas — como a análise clínica do doador, com exames como sorologia, para verificar se o órgão está saudável. No caso do Rio, o erro aconteceu porque os testes para constatar doenças deram negativo, e a doação prosseguiu.