Ônibus queimados, policiais investigados e execução de médicos expõem crise na segurança do Rio
Casos ocorreram em um intervalo de menos de três semanas; analistas avaliam fragilidade do governo do estado por falta de política pública especializada
A morte do miliciano Matheus da Silva Rezende, o Faustão ou Teteus, nessa segunda-feira (23), após um confronto com agentes da Polícia Civil durante uma operação na região de Três Pontes, em Santa Cruz, na Zona Oeste, transformou as ruas da região em um cenário de guerra. As dezenas de ônibus incendiados em sete bairros, como represália dos criminosos, afetaram o transporte de mais de um milhão de usuários, e o clima de tensão interrompeu aulas em 12 escolas. Nas redes, o governador Cláudio Castro comemorou a ação policial. Segundo especialistas ouvidos pelo Globo, a crise na segurança pública é reflexo da ausência de uma política de estado.
Depois dos médicos assassinados por engano na Barra da Tijuca e da operação que prendeu quatro policiais por tráfico de drogas e corrupção na Polícia Civil, esse é o terceiro episódio em menos de três semanas que expõe a fragilidade do estado na segurança pública, de acordo com Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
"Não existe uma política de segurança no Rio hoje. Olhando para esses três casos, percebe-se um sinal de fraqueza gigantesco do governo. A dinâmica dos fatos de ontem mostra que, para a milícia, vale chantagear o Estado. Além disso, evidencia o problema da lógica das operações, que é dizer “se você me confronta, eu te confronto”, e a completa falta de credibilidade e de capacidade do governo de impor ordem. A situação agora, mais do que nunca, exige muito mais do que uma operação, exige um planejamento: a construção de uma política pública que separe a polícia da política" avalia Lima.
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Um projeto que integre ações de inteligência
Segundo Pablo Nunes, pesquisador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), o episódio dessa segunda-feira demonstra "a falência da segurança pública no Rio de Janeiro". Para ele, a resposta mais adequada deveria ser a de um projeto que integre as ações de inteligência entre as polícias.
"Acompanhamos com preocupação mais esse caso, que demonstra a falência da segurança pública no Rio de Janeiro. É preciso investir na qualidade das ações de inteligência para fazer investigações que desarticulem os grupos criminosos. Não temos uma secretaria especializada, mas sim as polícias fazendo operações sem articulação, planejamento, e sem resultados significativos para a população. Precisamos de orientação e coordenação das polícias. Comemorar a morte de um criminoso como indicativo de sucesso significa a cegueira em relação à segurança pública. Um criminoso é rapidamente substituído. Isso nos conduz para uma escalada de violência" afirma Pablo.
Desarticulação das organizações criminosas
Além dos 35 coletivos incendiados na segunda, ao menos quatro caminhões também foram queimados, segundo o Centro de Operações Rio. Uma composição da SuperVia também foi incendiada, na estação Tancredo Neves, na Zona Oeste. Um menino de 10 anos foi baleado de raspão no joelho, levado à UPA de Paciência e já teve alta, segundo a TV Globo.
"Enquanto tivermos uma segurança pública sem planejamento e sem o apoio das ferramentas de inteligência e investigação estaremos sujeitos a esses efeitos colaterais. É imperativo para a diminuição da violência e da criminalidade que tenhamos um plano de segurança pública com ações eficazes para a desarticulação das miliciais e organizações criminosas que hoje controlam o estado" afirmou José Ricardo Bandeira, presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina.
Crise na segurança
Na última semana, equipes da Polícia Federal e do Ministério Público do Rio prenderam quatro agentes da Polícia Civil e um advogado, alvos da operação Drake pela prática de tráfico de 16 toneladas de maconha, além de corrupção. À época, após a apreensão da droga, a negociata ocorreu, segundo as investigações, na Cidade da Polícia Civil do Rio. Os policiais usaram viaturas da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC) no momento do crime.
No dia seguinte, após o novo secretário de Polícia Civil Marcus Amim afirmar que a instituição "não precisa de babá", a Polícia Federal faz uma nova operação contra outros quatro policiais civis, incluindo um delegado, na capital e em Araruama, na Região dos Lagos.
No dia 5 deste mês, três médicos de São Paulo foram executados em um quiosque na Barra da Tijuca, também na Zona Oeste do Rio. Marcos de Andrade Corsato, de 62 anos, Perseu Ribeiro Almeida, de 33, e Diego Ralf de Souza Bomfim, de 35, morreram após serem baleados. A semelhança física entre Perseu e o miliciano Taillon de Alcântara Pereira Barbosa, de 26, é uma das linhas de investigação para o triplo homicídio.
Herdeiro da milícia
Faustão é sobrinho de Luis Antonio da Silva Braga, o Zinho, criminoso que assumiu o controle da maior milícia do estado do Rio, que atua na Zona Oeste. O comando da organização foi herdado após morte de seu irmão, Wellington da Silva Braga, o Ecko.
Considerado pela polícia como o segundo homem na atual hierarquia da maior milícia do Rio, Faustão é apontado em investigações como o principal homem de guerra de Zinho na disputa de território com bandos rivais. Ele seria encarregado de chefiar rondas feitas pela milícia do tio na Zona Oeste.
A operação que levou à prisão e morte de Faustão, contou com a Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), Polinter e unidades especializadas. Moradores relataram que, durante a incursão na região, houve intenso tiroteio.