ONU adota resolução 'histórica' para a justiça climática
Estados Unidos e China, os principais emissores mundiais, não patrocinaram o texto
A Assembleia Geral da ONU aprovou por consenso, nesta quarta-feira (29), uma resolução "histórica" para pedir o parecer da justiça internacional sobre as "obrigações" dos Estados na luta contra o aquecimento global.
Passo "histórico", "momento que vai entrar para a História", "vitória da diplomacia climática internacional". Muitas ONGs e países, dos 130 que patrocinaram a resolução - entre os quais não estão Estados Unidos e China - comemoraram o texto.
A Corte Internacional de Justiça (CIJ) terá que dar seu parecer "sobre as obrigações que recaem nos Estados" na proteção do clima "para as gerações presentes e futuras" - "um desafio sem precedentes" para a civilização, reforça o texto.
"Juntos, estão escrevendo a história", disse aos delegados o secretário-geral da ONU, António Guterres, avaliando que, embora não seja vinculante, o parecer do órgão judicial da ONU pode ajudar os líderes mundiais a "adotar as medidas climáticas mais corajosas e fortes de que o mundo tanto precisa".
"Hoje, fomos testemunhas de uma vitória épica para a justiça do clima", afirmou Ishmael Kalsakau, primeiro-ministro de Vanuatu, arquipélago do Pacífico atingido por dois potentes ciclones no intervalo de alguns dias.
Trata-se, também, de uma "vitória para os povos e as comunidades de todo o mundo, que estão na primeira linha da crise climática", comentou Lavetanalagi Seru, coordenador para o Pacífico da rede de ONGs Climate Action Network.
Peso legal e moral
O arquipélago de Vanuatu, na Oceania, lançou esta iniciativa em 2021, depois que um grupo de estudantes da universidade de Fiji iniciou uma campanha para salvar suas ilhas, que podem desaparecer com o aumento do nível do mar.
Há uma semana, os especialistas do clima da ONU (IPCC) alertaram que as temperaturas aumentarão 1,5º C já entre 2030 e 2035, em comparação com a era pré-industrial - a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris.
Como os compromissos nacionais dos Estados para reduzir as emissões dos gases de efeito estufa não são vinculantes no marco do Acordo de Paris, a resolução insta recorrer a outros instrumentos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
"Essa resolução põe no centro da questão os direitos humanos e a igualdade entre as gerações em matéria de mudança climática - dois elementos-chave geralmente ausentes do discurso dominante", disse à AFP Shaina Sadai, do grupo de pesquisa Union of Concerned Scientists (União dos Cientistas Preocupados, em tradução livre), em um momento em que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos realiza uma audiência sobre a primeira ação climática contra França e Suíça.
"Descrever (a resolução) como o avanço mais importante em nível mundial desde o Acordo de Paris parece preciso", acrescentou, pois é um "passo muito importante", já que pode servir como "guia" para os tribunais nacionais de todo o mundo, que cada vez mais têm que julgar ações judiciais contra os Estados.
Embora não sejam vinculantes, as decisões da CIJ têm um peso legal e moral importante, pois são levadas em conta pelas cortes nacionais frequentemente.
Desacordo dos EUA
Vanuatu e seus apoiadores esperam que o futuro parecer da CIJ impulsione os governos a acelerar suas ações, por iniciativa própria ou através de ações judiciais contra os Estados, que se multiplicam em todo o mundo.
Esse entusiasmo não é compartilhado por todos. Embora nenhum país tenha feito objeções à adoção da resolução por consenso, Estados Unidos e China, os principais emissores mundiais, não patrocinaram o texto.
Após a votação, os Estados Unidos manifestaram seu desacordo com a iniciativa. "Estamos muito preocupados de que este processo possa complicar nossos esforços coletivos e não nos aproxime dos objetivos comuns" sobre o clima, disse o representante americano, Nicholas Hill, que afirmou preferir "a diplomacia" a um "processo judicial", que pode "acentuar os desacordos".
A resolução faz referência às "ações" dos Estados responsáveis pelo aquecimento e suas "obrigações" com os pequenos Estados insulares e com as populações de hoje e do futuro afetadas.
Trata-se de um assunto crucial na luta dos países mais pobres por obter financiamento para reparar as "perdas e danos", mas que pode preocupar os países contrários a qualquer ideia de "reparações" por sua responsabilidade no aquecimento global.
Durante as negociações do Acordo de Paris, os Estados Unidos conseguiram incluir uma cláusula especificando que o texto "não será usado como base" para comprometer "responsabilidades ou compensações".