ONU alerta para risco de 'guerra civil' em Myanmar
Enquanto os Estados Unidos e o Reino Unido acabam de anunciar uma nova série de sanções, a China e a Rússia se recusam a condenar oficialmente o golpe
A emissária da ONU para Myanmar instou nesta quarta-feira (31) o Conselho de Segurança a evitar uma "guerra civil" com um "banho de sangue" no país e agir contra os militares que derrubaram Aung San Suu Kyi, que segundo seu advogado está com "boa saúde", apesar de detida por dois meses.
"A crueldade dos militares é muito séria e muitas organizações étnicas armadas expressam claramente sua oposição, aumentando a possibilidade de uma guerra civil a um nível sem precedentes", disse Christine Schraner Burgener, emissária da organização, em uma reunião a portas fechadas do Conselho de Segurança da ONU, de acordo com um discurso obtido pela AFP.
"Um banho de sangue é iminente", alertou.
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"Exorto este Conselho a considerar todos os meios à sua disposição para empreender uma ação coletiva e fazer o que for necessário, o que o povo birmanês merece, para evitar uma catástrofe multidimensional no coração da Ásia", acrescentou.
"Isso pode acontecer diante de nossos olhos e o fracasso em evitar uma nova escalada de atrocidades custará ao mundo muito mais, no longo prazo", do que uma ação imediata, afirmou a enviada especial do Secretário-Geral da ONU para Mianmar, durante um reunião a portas fechadas do Conselho de Segurança, de acordo com um discurso obtido pela AFP.
Os membros do Conselho de Segurança estão, no entanto, divididos. Enquanto os Estados Unidos e o Reino Unido acabam de anunciar uma nova série de sanções, a China e a Rússia se recusam a condenar oficialmente o golpe. Nesta quarta-feira, o Japão anunciou que suspenderia qualquer nova ajuda a Myanmar.
Aproveitando essas divisões, a junta militar golpista continua com a repressão sangrenta das manifestações. Na terça-feira, as forças de segurança mataram oito manifestantes, segundo a Associação de Assistência a Presos Políticos (AAPP).
Desde 1º de fevereiro, eles mataram 520 civis e detiveram centenas de manifestantes e oponentes, e eles estão desaparecidos, disse a AAPP.
Enquanto isso, Aung San Suu Kyi está detida desde o golpe. A ganhadora do Prêmio Nobel da Paz "parece estar bem de saúde", disse um de seus advogados, Min Min Soe, que falou com ela por videoconferência em uma delegacia de polícia nesta quarta-feira. Uma audiência está marcada para quinta-feira.
Ataques contra comissárias
A repressão provocou a reação de uma série de rebeliões étnicas em Myanmar. A União Nacional Karen (KNU) e o Exército da Independência de Kachin (KIA) lançaram ataques contra as forças de segurança nos últimos dias.
Nesta quarta-feira, o KIA atacou uma delegacia de polícia no estado de Kachin (norte), segundo a mídia local.
No dia anterior, um ataque com foguete feriu cinco policiais em uma delegacia de polícia na região de Bago (nordeste de Yangon), disse o Exército.
O ataque não foi reivindicado, mas no último fim de semana, no estado de Karen, o KNU apreendeu uma base militar, provocando uma resposta aérea golpista, a primeira em 20 anos naquela região.
O KNU então declarou que responderia ao bombardeio e reiterou seu apoio “ao movimento popular contra o golpe”. Três outros grupos rebeldes, incluindo o poderoso Exército Arakan (AA), ameaçaram represálias se a repressão continuar.
Desde a independência de Myanmar em 1948, vários grupos étnicos estão em conflito com o poder central. Esses grupos pedem mais autonomia, acesso à riqueza natural ou parte do lucrativo tráfico de drogas.
Os ataques aéreos deslocaram cerca de 3.000 pessoas para a Tailândia, país fronteiriço. "Cerca de 550 ainda estão na Tailândia, 2.300 retornaram à Myanmar", disse o governo tailandês.
Militantes do Karen acusaram a Tailândia de impedir a entrada de refugiados.
"Um novo governo civil"
Dezenas de milhares de funcionários públicos e trabalhadores do setor privado continuam em greve contra o regime militar.
Nesta quarta-feira, houve uma caravana de motocicletas em Mandalay (centro), sob os slogans "Salvem Myanmar" e "Acabem com os crimes contra a humanidade".
Vigílias à luz de velas e marchas foram organizadas ao amanhecer. No entanto, o número de manifestantes tende a diminuir em comparação com as centenas de milhares nas primeiras semanas de protesto, por medo de represálias.
Um grupo de deputados da Liga Nacional para a Democracia (NLD), partido de Suu Kyi, expulso do Parlamento pelos golpistas, também anunciou nesta quarta-feira que formaria "um novo governo civil" no início de abril, sem fornecer detalhes.