GUERRA NO ORIENTE MÉDIO

ONU é criticada por silêncio frente a relatos de violência sexual cometidos pelo Hamas

Autoridades americanas e israelenses alegam que agência não condenou diretamente os casos de estupro e mutilação genital

ONU ONU  - Foto: Pixabay

O corpo de uma mulher tinha "pregos e diferentes objetos em seus órgãos femininos". Em outra casa, os órgãos genitais de uma pessoa estavam tão mutilados que "não conseguimos identificar se era um homem ou uma mulher". Simcha Greinman, um voluntário que ajudou a recolher os restos mortais das vítimas do ataque a Israel liderado pelo Hamas, no dia 7 de outubro, fez longas pausas ao dizer essas palavras na segunda-feira, em um evento da Organização das Nações Unidas (ONU).

— Coisas horríveis que vi com meus próprios olhos e senti com minhas próprias mãos. — disse.

Shari Mendes, membro de uma unidade militar de reserva israelense responsável por preparar os corpos das soldados mulheres mortas para o enterro, disse que sua equipe viu várias dessas vítimas do dia 7 de outubro "que foram baleadas na virilha, nas partes íntimas, na vagina ou no peito". Outras tinham rostos mutilados ou vários tiros na cabeça.

Desde o ataque terrorista, durante o qual mais de 1.200 pessoas foram mortas e cerca de 240 pessoas foram sequestradas, as autoridades israelenses acusaram os terroristas de também cometerem violência sexual generalizada — estupro e mutilação sexual — especialmente contra mulheres.

No entanto, essas atrocidades foram pouco analisadas por grupos de direitos humanos ou pela imprensa em meio à guerra mais ampla entre Israel e o Hamas e, até alguns dias atrás, não tinham sido especificamente mencionadas ou condenadas pela ONU Mulheres, a agência da ONU para os direitos das mulheres, que tem se manifestado regularmente sobre a situação das mulheres e meninas palestinas.

Os israelenses e diversos judeus em todo o mundo dizem que se sentem abandonados por uma comunidade internacional de justiça social — grupos de mulheres, grupos de direitos humanos, celebridades liberais, entre outros — cujas causas de diversas crises ao redor do mundo eles têm apoiado.

"Silêncio é conivência"
Na segunda-feira, cerca de 800 pessoas, incluindo ativistas dos direitos das mulheres e diplomatas representando cerca de 40 países, lotaram uma sala na sede da ONU, em Nova York, para uma apresentação que expôs as evidências de violência sexual em larga escala, com depoimentos de testemunhas como Mendes e Greinman.

— O silêncio é conivência — disse Sheryl Sandberg, ex-executiva da Meta, aos presentes.

Sandberg, juntamente com Gilad Erdan, embaixador de Israel na ONU, estava entre os principais organizadores do evento.

— No dia 7 de outubro, o Hamas assassinou brutalmente 1.200 pessoas e, em alguns casos, estuprou suas vítimas — continuou a ex-executiva. — Sabemos disso por meio de testemunhas oculares, sabemos disso por meio de paramédicos de combate, saberíamos disso através de várias vítimas se outras tivessem tido a chance de viver.

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O Hamas negou que seus combatentes tenham cometido crimes sexuais, o que, segundo o grupo, violaria os princípios islâmicos. Contudo, foram coletadas muitas evidências, como corpos de mulheres encontrados parcial ou totalmente nus, mulheres com os ossos pélvicos quebrados, relatos de médicos legistas e socorristas, vídeos feitos pelos próprios combatentes do Hamas e até mesmo algumas testemunhas em primeira pessoa, como uma mulher, em um vídeo divulgado no mês passado por policiais, que disse ter visto os terroristas do Hamas se revezarem no estupro de uma jovem que haviam capturado no festival de música, mutilando-a e depois atirando em sua cabeça.

Meni Binyamin, chefe da Unidade de Investigações de Crimes Internacionais da polícia de Israel, disse em uma entrevista que havia documentado "casos violentos de estupro, os abusos sexuais mais extremos que já vimos" contra mulheres e alguns homens.

— Estou falando de dezenas. — afirmou.

Autoridades cobram
Do lado de fora do edifício, centenas de manifestantes acusaram a ONU de terem dois pesos e duas medidas quando se trata de violência sexual. Alguns gritaram: "Me too, unless you are a Jew" (eu também, a menos que você seja judeu). O “Me too” foi um movimento que varreu os EUA em 2017 e derrubou dezenas de homens poderosos denunciados por agressões sexuais.

As Nações Unidas, e a ONU Mulheres em particular, tornaram-se o foco principal — mas não o único — de uma raiva crescente por seu silêncio. O secretário-geral António Guterres condenou imediatamente o massacre do Hamas, mas foi apenas no final de novembro que ele emitiu uma declaração afirmando que os crimes sexuais relacionados ao ataque terrorista devem ser "rigorosamente investigados e processados".

A doutora Cochav Elkayam Levy, professora de direito israelense e fundadora de uma comissão sobre os crimes de 7 de outubro contra mulheres e crianças, disse que no dia 1º de novembro enviou uma carta à ONU Mulheres, assinada por dezenas de acadêmicos, pedindo uma "condenação urgente e inequívoca do massacre cometido pelo Hamas", incluindo o uso de estupro como ferramenta de guerra.

— Eles nem sequer responderam — salientou.

Erdan, o embaixador israelense, disse que enviou duas cartas sobre o uso de estupro pelos combatentes do Hamas, anexadas a fotografias dos corpos das vítimas, para Sima Sami Bahous, diretora executiva da ONU Mulheres.

— Não recebi nenhuma resposta — afirmou Erdan, acrescentando: — Nem mesmo um 'recebemos sua carta'.

Em 25 de novembro, a ONU Mulheres abordou a questão pela primeira vez nas redes sociais, dizendo que estava "alarmada com os relatos de violência de gênero no dia 7 de outubro", mas a postagem não mencionava o Hamas. Em um comunicado na segunda-feira, a agência condenou "os ataques abomináveis do Hamas contra Israel" e disse que estava "acompanhando de perto os relatos de atos brutais de violência de gênero contra mulheres no Estado judeu desde que vieram à tona". E acrescentou: "Acreditamos que uma investigação completa é essencial, para que os agressores de todos os lados possam ser responsabilizados e a justiça possa ser feita".

Na semana passada, um grupo bipartidário de mais de 80 membros do Congresso americano divulgou uma carta chamando a resposta da agência de "lamentavelmente insatisfatória e consistente com o preconceito de longa data da ONU contra Israel".

Desde o início da guerra, a ONU Mulheres tem se concentrado em levar atenção e ajuda humanitária a meninas e mulheres na Faixa de Gaza, além de pressionar por um cessar-fogo, já que os ataques aéreos israelenses resultaram em milhares de vítimas palestinas. Vários apoiadores de Israel no Congresso expressaram sua indignação com o silêncio das organizações internacionais e nacionais.

— Estou furiosa há cerca de dois meses — disse a deputada Lois Frankel, da Flórida, que lidera a bancada feminina democrata. — Há antissemitismo envolvido e há algumas pessoas que estão mais interessadas em retratar a perda de vidas em Gaza do que em destacar a completa desumanidade, crueldade e brutalidade do Hamas.

Na ONU, na segunda-feira, a senadora democrata Kirsten Gillibrand, de Nova York, fez um discurso emocionado, falando sobre as "filmagens originais" que lhe foram mostradas e que "tiraram seu fôlego com o nível absoluto de maldade que retratam".

— Quando vi a lista de organizações de direitos das mulheres que não disseram nada, quase engasguei — disse Gillibrand, questionando: — Onde está a solidariedade das mulheres neste país e neste mundo para defender nossas mães, nossas irmãs e nossas filhas?

Depois do evento, no Flag Hall da ONU, Sandberg ficou em frente à faixa branca e azul de Israel e, ao falar sobre a constatação devastadora de que a maioria das vítimas havia sido morta, sua voz começou a falhar.

— Não sei como falar sobre isso e não…— parou, respirando fundo antes de se desculpar.

Ela não chegou a terminar a frase.

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