OPINIÃO

365 dias da tentativa de golpe de Estado do dia 8 de janeiro de 2023

 

            Quando o Barão de Briedi e de Montesquieu escreveu e publicou o Espírito das Leis pressagiou vaticinando que “todo homem que tem poder é levado a abusar dele; até encontrar os limites”, estava propondo a divisão do Estado em três poderes, o executivo, o legislativo e o judiciário atribuindo funções específicas a cada um deles, contendo extrapolações mútuas, em um processo que se convencionou chamar de peso e contrapeso.

         Na sequência da Revolução Francesa de 1789, e na tentativa de conter os excessos do antigo regime, houve a aceitação tripartite, estabelecendo que ao julgador cabe a aplicação da lei.

         É natural que em um regime de democracia plena as divergências existam e existirão, e fazem parte do próprio processo. Cabendo ao judiciário dirimir e solucionar conflitos na medida em que as demandas chegam ao órgão judicante para provimento. Esclareça-se que o Poder Judiciário sofre pressões por representar a instância que assegura a prevalência da ordem e da lei, que só existem em um Estado Democrático de Direito.

         O que ocorreu no dia 8 de janeiro de 2023 foi o ápice de um processo turbulento, que se iniciou no governo anterior que demonstrava não ter um projeto administrativo consistente, apenas um projeto de poder voltado para o autoritarismo que abnega o institucionalismo que primazia as normas legais e o Estado organizado, através de suas instituições representativas. 

          Durante o seu governo, o presidente Jair Bolsonaro contrariou normas comportamentais republicanas contradizendo e objetando a lisura do próprio processo eleitoral que o elegeu, em várias ocasiões, sem apresentar qualquer prova, não obstante ter conhecimento da transparência atestada por organizações internacionais credenciadas.

          Tratando-se um outsider no mundo do poder político, sem qualquer credencial que o indicassem referências de um estadista, sobre o mesmo pesavam sérias reservas sobre suas aventuras transgressoras que o levaram até a expulsão do exército, depois de rumoroso processo.

Além deste registro, o ex presidente conseguiu ilaquear a boa-fé de muitos, apresentando-se como o NOVO, mesmo tendo passado 28 anos no parlamento federal na mais intensa obscuridade e mediocridade, potencializando setores da extrema direita ainda saudosa da ditadura militar que se instalou no Brasil em 1º de abril de 1964, praticando durante 21 anos graves violações ao Estado Democrático de Direito até que fossem forçadas, pelo clamor popular, a restabelecer a democracia que levou à promulgação da Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã, nas palavras do menestrel Ulisses Guimarães.

          Ao longo do tempo, o Brasil nunca deixou de ter inquietações institucionais. Depois da declaração da independência em 7 de setembro de 1822, que tornou o Príncipe regente Pedro de Alcântara Imperador, já em 1823, no que se denominou “A noite da agonia”, Dom Pedro dissolveu a primeira Assembleia Geral Constituinte Brasileira eleita em 3 de maio de 1823 com o objetivo de instituir a primeira constituição do Brasil. Motivo: a divisão entre liberais e conservadores. Na sua deliberação, Dom Pedro contou com a ajuda dos militares. Os que resistiram, tiveram destinos diversos que iam do exílio à prisão.

          Na sequência tivemos o golpe da maior idade; o golpe da Proclamação da República, dado pelo monarquista Deodoro da Fonseca; o golpe de 3 de novembro, que ocorreu quando da renúncia de Deodoro, dado por Floriano Peixoto, seu vice, que assumiu sem convocar eleições; o golpe civil-militar de 1930; o golpe do Estado Novo de 1937, que suspendia os direitos constitucionais; o golpe militar de 1945, que depôs Getúlio Vargas; o golpe militar de 1º de abril de 1964. Por fim, tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023.

          Antigamente, os relatos históricos vinham impregnados de contos épicos que transformavam homens em mitos. Esta concepção tem de mudar. Ao povo, impõe-se o dever indeclinável de conquistar a consciência crítica de suas condições existenciais para distinguir quando o Estado está de fato defendendo o interesse público.

A defesa da democracia é tarefa de cada um. E o desejo de todos.

 

*Procurador de Justiça do MPPE, diretor Consultivo e Fiscal da Associação do MPPE e ex-repórter do Jornal Correio da Manhã (RJ)

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