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OPINIÃO

Anistia não é clemência: é freio civilizatório

Há momentos na história de uma nação em que o silêncio se torna insuportável. Não por falta de palavras, mas porque o silêncio, quando protege o poder, deixa de ser prudência e passa a ser cumplicidade. O que temos vivido no Brasil, desde os eventos de 8 de janeiro de 2023, é exatamente isso: um silêncio conveniente demais diante de injustiças gritantes.

Hoje, há brasileiros trancafiados, sem julgamento justo, sem acesso pleno aos autos, muitos deles com vidas destruídas. Não por causa de seus atos, mas por suas ideias. São cidadãos que carregaram a bandeira nacional, fizeram orações, gravaram vídeos. Não portavam armas, não representavam risco à ordem pública. Mas estão sendo tratados como criminosos de guerra. Isso não é justiça. Isso é perseguição institucionalizada.

É preciso dizer com todas as letras: o que se instalou no país não é sede de justiça, é sede de vingança. Criminaliza-se a discordância e demoniza-se a fé. E a coisa mais grave: naturaliza-se o uso do Judiciário como instrumento de repressão ideológica. 

Quando o medo cala até os que deveriam falar, a democracia já foi embora. E o que assusta é a contradição: enquanto se exige medidas punitivas extremas para patriotas pacíficos, bandido perigoso vira celebridade. Enquanto quem reza em público é chamado de golpista, quem traficava fuzil é agraciado com indulto e manchete favorável.

O argumento da vez é o bordão: “Não podemos anistiar golpistas!” Mas quem decidiu que são golpistas? Foi um juiz? Um repórter? Um algoritmo? Uma ideologia? Quando rezar na frente de um quartel vira crime, metade da população brasileira está sob suspeita.

A anistia, nesse contexto, não é um favor. É uma ferramenta moral da civilização. Uma tecnologia de paz que atravessa séculos e impérios. Foi usada por Cícero em Roma, por Lincoln após a Guerra Civil Americana, por Dom Pedro II para pacificar o Império, por Vargas, por Figueiredo. E, de forma marcante, em 1979, quando esta mesma República teve a grandeza de perdoar dois lados armados da história.

É exatamente isso: dois lados armados. Gente que sequestrou embaixador, que trocou tiro com o Exército, que colocou bombas em locais públicos foi anistiada. Se houve perdão para quem quis trocar a bandeira verde e amarela por um regime de medo e controle, por que não pode haver para quem sequer tocou num objeto público? A resposta é dura: porque hoje a perseguição não tem mais a ver com o que se fez. Tem a ver com o que se pensa. E isso não é justiça; isso é fanatismo doutrinal travestido de legalidade.

Vimos, há poucas semanas, a tentativa de censura contra a manifestação pacífica do dia 15 de março de 2025, convocada pelo presidente Jair Bolsonaro em apoio à anistia.  O mais patético é que essa tentativa veio de uma vereadora de mandato irrelevante, mas que foi prontamente abraçada por um sistema ansioso em calar vozes conservadoras.

O direito à manifestação não é uma concessão de ministro, é um direito do cidadão. A anistia que defendemos é a coragem de separar o erro de um ato do valor de uma vida inteira. É o gesto institucional que afirma: sim, houve excessos. Mas não construiremos o futuro com a prisão perpétua da reputação de inocentes. Punir eternamente não é justiça. É barbárie.

O Brasil precisa de paz. De reconciliação. E, acima de tudo, de coragem moral. Coragem é perdoar com sabedoria. É conter o poder com prudência. A anistia que defendemos é a última trincheira entre a República e o autoritarismo.

A anistia é isso: um freio civilizatório. Um ponto final no ciclo de ódio. Um gesto que impede que o sistema enlouqueça. E, por minha consciência, por minha história e por respeito ao povo que me elegeu, eu estarei do lado da civilização.

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