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Café, Tecnologia e Gestão

Das poucas coisas boas selecionadas pelo tempo e pelas contingências da vida que deixarei para os filhos, é o gosto pelo café. Em torno do café, em nossa casa, vários episódios da “vida com ela é” ocorreram, sem que fossem programados, combinados ou pensados. Nunca dissemos um para o outro, “vamos tomar um café” para isso ou aquilo, definitivamente não. Simplesmente alguns da casa tomavam a iniciativa de fazer o café, e daí o aroma conseguia acordar quem dormia, interromper o filme de quem assistia, parar a fome de quem comia, desligar o celular de quem falava e, como numa espécie da “Flautista de Hamelin”, todos seguiam para a “armadilha” do aroma, para a prisão do entorno do café, e ali saiam coisas maravilhosas.

Certo dia, pouco antes da pandemia, resolvi, como “gestor” da casa em conjunto com Lucila, fazer um investimento na compra de uma pequena “Máquina de fazer Café Expresso”, após a experiência das cápsulas não terem sido apreciadas pelos filhos já “gourmand” na arte do café.

Investimento feito, primeiros copos produzidos, sabores apreciados, conversas renovadas e o tempo, esse incongruente amigo de tudo, passou a implicar comigo, numa questão que passara a me atormentar e me fazer reclamar dos filhos, quase que diariamente: “Por que não limpavam o receptáculo de armazenamento de café, após o uso?”. Não foram poucas as vezes que fui fazer o meu café e me deparava com o pó usado e não descartado, sobrando para mim, quase sempre, a responsabilidade em limpar, fazer o café para mim e deixar limpo o material, para dar exemplo, que, quase sempre, ou nunca, era seguido pela família.

Registre-se que Lucila era a única que não tomava café, nem Italo que morava na Austrália nesse período. Apenas Renan, Giovanna e Lorenna, foram os que, comigo, compartilhavam da experiência estressante de cobrar a limpeza do receptáculo de armazenamento do pó, passando a não ser incomum, um para o outro dizer: “Não esqueçam de limpar a máquina de café!”. O tempo passou, a pandemia chegou, ficamos enclausurados e o problema tornou-se mais constante, fazendo do convívio harmonioso no entorno do café, um estresse de processo de “gestão e cobrança” familiar. Mas essa história não foi triste, teve final feliz.

Certo dia, Renan me chama e me dá uma ideia que, de cara, me pareceu genial: “Pai, vamos inverter as regras e mudar o processo na produção de nossos cafés! Quem fizer o café, não limpa mais o receptáculo.”. Parei para refletir novamente, ponderei por segundos e entendi a intenção. E como passe de mágica, todos passaram a limpar a máquina de café, eu parei de limpar sempre a máquina e os atritos pararam de ocorrer.

Por que falar nisso? Há uma razão objetiva! Trata-se de uma lição prática de que mudar, não necessita de muita reflexão, mas de insights, de decisão e de experimentação e que “gerir”, é saber ouvir e garantir que a ideia seja proposta e executada sem culpabilização por erros ou acertos, e, também que, qualquer atribuição concentrada não tem sentido, sem o foco no resultado, razão pela qual, quanto menos qualquer um se intrometer num processo que não sabe e não domina, melhor será para o resultado.

Essa pequena revolução no processo de fazer um café expresso em casa é uma metáfora perfeita para as mudanças que vemos, ou melhor, que deveríamos ver, nas organizações modernas.

A transformação da história acima não começou com a adoção de uma máquina mais sofisticada ou com a introdução de tecnologia de ponta; começou com a simples, mas poderosa, decisão de mudar o processo, obrigado Renan. Isso é o que nos ensina o conceito de gerenciamento por processos de negócios, como bem destacado no “BPM CBOK versão 4.0”: a verdadeira inovação frequentemente começa com uma reavaliação crítica dos processos, e não com a busca frenética por novas ferramentas tecnológicas.

A lição para nossa família foi clara: as grandes mudanças nascem da clareza sobre a necessidade de mudar. O avanço tecnológico e a automação são passos subsequentes e naturais, mas só fazem sentido quando precedidos por uma compreensão profunda dos processos existentes e das melhorias necessárias. Walter Isaacson, em seu livro "Inovadores" destaca que a verdadeira inovação muitas vezes vem da colaboração e do compartilhamento de ideias, em vez de decisões isoladas tomadas por aqueles no topo da hierarquia. Ou seja, é preciso ouvir quem está na linha de frente, quem lida diariamente com os processos – sejam eles baristas domésticos ou colaboradores em uma empresa.

Como Steven Johnson aponta em "De onde vêm as grandes ideias", muitas das melhores inovações surgem não de uma mente genial isolada, mas de redes de ideias interconectadas. Em um mundo onde a hierarquia piramidal ainda reina em muitas organizações, esse insight é um alerta: gestores que interferem em processos dos quais pouco entendem apenas emperram o progresso. Ao invés disso, devemos valorizar um modelo mais fluido e colaborativo, onde as decisões sejam informadas por quem realmente entende e vivencia os processos.

No final das contas, a organização piramidal pode, muito bem, estar com os dias contados. No futuro, as empresas de maior sucesso serão aquelas que adotaram uma estrutura menos rígida, mais colaborativa e que permitam, a cada nível de operação, contribuir para a inovação. E quem sabe, a próxima grande mudança, no seu negócio comece, não com a compra de uma nova máquina, mas com a simples decisão de mudar a maneira como você faz o seu “café expresso” diário.



* Advogado e Especialista em Transformação Digital pela PUC-RS.

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