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OPINIÃO

Deus e o Tempo

Há um momento em que Deus deposita em nós o vigor, a coragem e a disposição para enfrentar os maiores desafios. Ele nos concede força para atravessar abismos, superar adversidades e, no meu caso, salvar vidas. Lembro-me, como se fosse ontem, do jovem cheio de sonhos e energia que deixou Mandaguari, no Paraná, uma terra fértil e próspera, onde o café era rei. Ali, eu poderia ter me estabelecido e vivido uma vida confortável, mas, inexplicavelmente, fui guiado para um dos lugares mais pobres do Nordeste, o Alto Pajéu, em Pernambuco.

Por muito tempo me perguntei o motivo dessa decisão. Por que sair de uma região de riqueza e oportunidades para enfrentar as carências extremas do sertão nordestino? Hoje, olhando para trás, percebo que talvez fosse a missão que Deus havia reservado para mim. No Pajéu, construí mais do que uma carreira: construí uma vida, uma família e um legado. Cheguei como um jovem médico, mas logo percebi que seria muito mais do que isso. Tornei-me cirurgião, anestesista, neonatologista, ortopedista e o que mais fosse necessário para atender àquela gente que tanto precisava.

Realizei mais de 30 mil cirurgias e trouxe ao mundo milhares de crianças, muitas das quais hoje são mães e pais de família. Não havia especialização que me limitasse; a necessidade me moldou para ser o médico completo que o Pajéu precisava. E, em meio a tudo isso, construí um hospital, ergui um espaço que não era só meu, mas de todos que ali buscaram saúde e esperança.

Deus não me deu apenas uma missão médica. Também me chamou à vida pública. Fui prefeito, deputado estadual, sempre com a integridade como princípio. Passei pela política sem me envolver em escândalos ou gerar desafetos duradouros, algo raro em nosso país. Saí de cabeça erguida, certo de que contribuí para o bem-estar do povo que me confiou seus votos e sua confiança.

Agora, aos 82 anos, com a saúde fragilizada pelo tempo – como é natural na trajetória de qualquer ser humano – vejo claramente o propósito dessa jornada. Deus dá as ferramentas quando precisamos construir, mas também nos chama a reconhecer o momento de descansar e refletir. Já não tenho o mesmo vigor de outrora, mas ainda carrego maturidade e disposição para continuar trabalhando, mesmo que em outro ritmo.

Aqui, em Florianópolis, em Camboriú, vejo um mundo completamente diferente do que aquele que me acolheu e moldou. É bonito, sem dúvida, mas não é o meu mundo. O meu mundo é o do Pajéu, onde plantei raízes profundas, onde criei uma família e me tornei o médico e o homem que sou.

Esta narrativa, que agora escrevo, é o encerramento de um capítulo, ou talvez de um livro inteiro. É a síntese de uma vida que começou com a força da juventude e que agora se aproxima do seu epílogo com a serenidade de quem soube cumprir seu papel. Deus dá e Deus toma, e eu aceito isso com gratidão e humildade. Meu único desejo é que este legado de trabalho, de amor ao próximo e de integridade inspire aqueles que vierem depois de mim.

E assim concluo esta viagem, com o coração em paz, ciente de que, ao final de tudo, o que importa não é onde começamos, mas o que fizemos com o tempo e as dádivas que Deus nos concedeu.

*Médico, empresário e escritor
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