Encontro de final de ano dos amigos de Ouricuri
Para os meus pais Maria Euza Góis de Siqueira e Walfrido Lopes de Siqueira (ambos in memorian)
E meu irmão Rildo Lopes Góis - in memorian.
Começar é o mais dificil, é como juntar pedaços de felicidade, igualmente colher milho, feijão, jerimum, maxixe e melancia numa roça sertaneja, de sequeiro, que a irrigação não está na nossa origem.
Aquelas primeiras chuvas lavam as nossas esperanças e as nossas almas.
Os trovões e o relampejar talvez sejam as últimas memórias no encantamento dos seres sertanejos. Quem me deu essa imagem foi Umberto Eco, em A Misteriosa Chama da Rainha Loana, um livro sensacional.
Acho que esse fenômeno é, antes de tudo, Deus se anunciando. Perguntem a Moisés se não é?
A boa e correta educação da troca de presentes aconteceu, cada um com suas melhores reminiscências, memórias coletivas e individuais:
1)De Quinca Cuzinho para o seu irmão João Costela: Ô João, tu és tão bruto que tu quis dar em mãe.
Rosenildo e os seus foguetes. Geraldo Afo é igual a um paredão.
Alaô e Alan Coêlho de Macedo, dois craques em qualquer time do Brasil ou da Argentina, sobretudo da Argentina, pela raça, pelo brio; José Arnaud Maradona (impressionante), Paulo Siqueira, o melhor de todos, o maior 9 de todos os tempos em qualquer lugar, com isso não brinco.
2)O doido Xaxado e sua arte de tudo guardar no ôco do pau: um macaco, uma onça, a lambreta verde e o Jeep também verde de Roderique; também um gambá e a fia de Antõe Mororó, o grande amor de sua vida.
Xaxado era doido amado e manso.
3)Gaim, o nosso Gaim, o down que viveu mais de 60 anos ancorado no amor de sua família, sobretudo de sua irmã Bel.
Bel, você quer ser minha irmã? Bel, suas gentilezas e cuidados com o seu irmão ainda hoje calam fundo em todos nós! QUERIDA BEL.
Gaim colocava o cartaz do filme em Ouricuri, era figura cativa em todos os filmes, bons ou ruins, mas tenho certeza da sua preferência pelos westerns italianos.
Ringo e Django decerto foram seus grandes heróis, até mais que Durango Kid, arrisco a dizer.
Seus bolsos andavam estufados de dinheiro.
Todas as placas dos carros de Ouricuri ele sabia de có e salteado. Era o nosso Rain Man. Faltou a gente fazer uma farra em Las Vegas e ficar rico com o nosso Gaim estourando a banca.
4)Dona Nenzinha, amada professora, a mais sensacional educadora de minha pobre/rica vida.
Mãe de Marcelo, o engenheiro, de Cici, querido amigo, de Toinho, o delegado, de Leônia, belíssima filha.
Foi a professora mais rigorosa e cativante do meu Primário, dura e doce como devem ser os grandes.
O melhor presente que recebi em toda minha vida foi dela, uma caixa de lápis de cor da Johann Faber, com
Branca de Neve e os Sete Anões.
Inesquecível esse presente. Inesquecível e para sempre amada essa querida Dona Nenzinha!
De muitas pessoas tenho saudade, dela especialmente, por todas as graças e benefícios que ela espalhou em minha vida.
Dona Nenzinha, seu aluno Meca, em quem a senhora acreditou, ainda hoje está na peleja.
A senhora foi uma das poucas pessoas que acreditou em mim. Isso não tem preço, para mim foi minha salvação.
5)Dona Lúcia e Seu Eraldo Lira, lindo casal, Aqui seria um livro, o que, Infelizmente, foge ao propósito.
De Seu Eraldo afirmo, com convicção, que ele é um raro produto do DNA humano. Ele foi um lord britânico habitante da Chapada do Araripe. Como chegou lá? Deus errou/acertou o destino da cegonha. Só pode ter sido isso, esse homem é da terra de Robin Hood.
Seu gestual fidalgo e educado, seu humor finíssimo e cortante, feito as navalhas de Pega e de Elísio, ele transmitiu, com rara felicidade, a todos os filhos. Inclusive a Ana Lúcia, sua filha mulher.
Dona Lúcia foi recentemente ao seu encontro no caminho da luz e da esperança.
Há tantos outros:
Seu Danda e Dona Duquinha, os zen-budistas de minha rua; Dona Mocinha e Seu Adérito, que trouxeram gênios ao mundo; Dona Lourdes e Seu Zé Moisés e suas lindas filhas; Seu Deolindo e seus filhos vencedores de qualquer corrida acadêmica: Pedro, Baldomiro, Duga; Dona Cila e Seu Osório que me ofereceram amizade e filhos extraordinários.
6)Por fim, mas não menos importante, Dona Udociles e Seu Tutu, pais das moças mais lindas e cortejadas da cidade.
Dona Udociles é uma irmã gêmea de Úrsula Iguarán, aproveitando a série Cem Anos de Solidão, do gênio
Gabriel Garcia Marquez, que atualmente é exibido num streaming muito visto.
Sempre me impressionou a maneira como ela dividia a casa, e nesta casa todos cabiam: marido, filhos, genros, noras, netos e quem mais houvesse.
O tanto que eu gostava dela nem eu mesmo sei mensurar. A ela devo gratidão, respeito e desculpas, algo como uma mãe professoral para um aluno burro e bruto. Um bj querida!
O processo de Alzheimer foi prolongado e sofrido para a família, mas rezar ela nunca esqueceu, como se a nos lembrar que Deus existe!
Seu Tutu é para mim algo como o cigano Melquíades foi para José Arcádio Buendia, ainda pautado por Cem Anos de Solidão.
Perder o pai aos quinze anos, como perdi, é algo dramático, a idade é dramática e fiquei sem rumo nas besteiradas da vida.
O Meu Tutu/Melquíades me ensinou a dar o verdadeiro nome e valor às coisas, tudo desconhecido para mim.
Eu vivia uma fase anárquico-existencial, tinha chutado todas as portas e este homem, com amor e caridade, conduziu-me pelas sete portas da bem aventurança.
Mas muito mais que isso, ele foi um grande guerreiro otomano e me fez ver de verdade que pela honra e a família podemos matar ou morrer, que essa defesa é indissociável à vida.
Tutu/Melquíades era tido como um homem difícil, é fato, é lenda, é erro:
Talvez pela sua filha Mary, com quem casei, talvez pelos outros filhos (Jânio, Roseane, Mary, Cecy, Edinha, Tadeu ), que me carimbaram como irmão, descobri nele um patriarca sereno e afável, amoroso e responsável com o seu rebanho, para quem todo neto era filho e dele fizeram gato e sapato.
Tenho saudade de Udociles e de Tutu, ambos no caminho da Luz e da esperança.
O TOM MARRON foi o local, na Madalena:
Fotos de Alan Coêlho de Macedo, o nosso general, o nosso Átila, da minha Baby Mary, de Anísio de Seu Sinésio, de Canuto exemplar, de Gonçalo da Fazenda Salgada, um gentleman, de Humberto, um Castorzinho sabido e de Saulo de Tasso Lucas, todos queridos, todos amigos.
Jose Américo/Zé da Coruja em Recife/Pernambuco da cana caiana, 29/12/24