Opinião

Exigência de CPF como prática comercial abusiva

Tem se tornado prática comum, quando da realização de compras, os estabelecimentos comerciais, pedirem (e até exigirem) o CPF para a venda de produtos, tendo alguns deles condicionado a transação, ao fornecimento desse dado sensível do consumidor. A própria Constituição federal no Artigo, 5º, inciso XII, estabelece a inviolabilidade, dentre outras, das comunicações de dados, salvo, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual. Só esse dispositivo constitucional já bastaria para resguardar o sigilo dos dados, no que concerne ao tratamento deles, quando as empresas, indevidamente, os colhe, sem informar, prévia e claramente para qual finalidade o fazem. Entretanto, como a legislação precisa estar em sintonia com o tempo e os fatos, tornou-se praga se pedir, deliberadamente, os dados pessoais, necessitando o tema, portanto, da devida regulação e regulamentação, a fim de que se coíbam práticas abusivas, como a noticiada aqui.

Alguns Estados, porém, já se anteciparam a outros, com legislação que visa coibir mais essa prática abusiva, que aguarda lei federal, no mesmo sentido, seraprovada no Congresso nacional. Enquanto o Projeto de Lei nº 4530/2023, de autoria do Senador Ângelo Coronel, não recebe o trâmite que merece, no plano federal, resta ao consumidor invocar como escudo contra esse abuso, o disposto na LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que traz em seu Artigo 6º princípios que devem ser rigorosamente obedecidos, quando do tratamento de dados. São eles: finalidade; adequação; necessidade; livre acesso; qualidade dos dados; transparência; segurança; prevenção; não discriminação; responsabilização e prestação de contas. Como o cadastro de pessoas físicas (CPF) é um tipo de dado pessoal, para os fins da citada LGPD, por conter informação de pessoa natural identificada ou identificável, devem os estabelecimentos comerciais zelar pelas prescrições relativas à coleta, armazenamento e finalidade desse dado.

O que observamos, presentemente, entretanto, é um disseminado abuso, por parte do comércio, que muitas vezes, logo de cara, pede o CPF de um pretendente comprador, até para consultar o preço de um produto. Os operadores de caixa, sem nenhuma restrição (ou até mesmo discrição), indagam o número do cadastro, dizendo se tratar de uma verificação de desconto ou promoção. Às vezes, chegam a admoestar indevida e insanamente o consumidor, de que se não fornecer o que é requerido, não poderá trocar o produto, posteriormente.Essa prática comercial, por si só, já deveria estar sendo coibida em todo o território nacional, bem como há tempos vem merecendo uma fiscalização rigorosa dos procons e delegacias do consumidor.

Entretanto, as empresas continuam agindo, livre e impunemente, deixando o consumidor ser submetido à situação que lesa seus direitos assegurados tanto na LGPD, como no próprio Código de Defesa do Consumidor, já que alguns estabelecimentos alegam que a exigência do CPF é para a concessão de promoções, o que é vedado pelo Artigo 39, do referido Código. No Estado de São Paulo, logo depois da entrada em vigor da LGPD em setembro de 2020, foi sancionada a Lei 17.301 em 1º de dezembro do mesmo ano, vedando expressamente a exigência do CPF, “sem informar de forma adequada e clara sobre a abertura de cadastro ou registro de dados pessoais e de consumo”, sob pena de multa no valor de R$ 5,5 mil, dobrada em caso de reincidência. Falta agora que os demais estados da federação disciplinem o tema por legislação específica, já que é da competência concorrente entre a União e os Estados- membros, legislar sobre Direito do consumidor. O que se visa coibir, em suma, não é a obtenção do CPF, mas a prévia e devida informação que deve ser dada ao consumidor, sobre a finalidade e limites de uso.

*Defensor público e Professor

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