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Há algo estranho no ar

Peguei emprestada a citação do personagem Marcelo, da peça Hamlet, de Bill Shakespeare, para fazer uma adaptação para o título. Após a verbalização da suspeita de que o mau cheiro rondava o ambiente, o rei (Hamlet) fica transtornado e incapaz de entender o que se passa sob seus olhos e suas narinas, com o único intuito de agir contra os inimigos.

Este ignaro pode resumir a frase (dentro da peça), como um cheiro estranho e ruim que muitos sentiam, menos o Imperador. Bill bem que poderia ter substituído a Dinamarca por outro país ficcional ou colocar o seu próprio país na trama. Os dinamarqueses continuam ouvindo piadinhas e vendo gestos de pessoas tapando as narinas quando passam e – o pior – quem faz isso não sabe a origem da frase.
 
Vou para Istambul num dirigível que está no pensamento, que segue tranquilo pelo ar, sem turbulências. Lá, ouço a história contada no romance (1) de Orhan Pamuk, de um jovem que conheceu uma moça num casamento, ficou apaixonado e decidiu raptá-la (costume tolerado à época, desde que, mais na frente, o casamento fosse oficializado).

Antes, durante um bom tempo, tentou se comunicar com a moça através de cartas, que eram entregues por um primo. A moça não respondia. Decidido, marcou com a moça o dia e a hora para apanhá-la na casa dos pais. O rapto ocorreu numa noite chuvosa e quase tudo deu certo. Ainda no caminho para a estação ferroviária, descobriu que comprou gato por lebre: a moça que viera não era a escolhida, era a outra irmã. A história não acaba aí, porque entra em cena o primo “mensageiro”. A continuação fica para uma próxima.
 
Num trem imaginário, saio de Istambul e vou para a Eslováquia. Viagem longa para ver Rose Tinted Dreams (Sonhos Rosados), filmaço de Dusan Hanák, de 1976. Traz enredo romântico que se passa numa região daquele país, com a história de amor proibido entre o carteiro Jakub e a cigana Jolanka.  

Mais do que isso, mostra que a exclusão social e o preconceito são universais e atemporais. Um filme belíssimo, bem conduzido, com uma fotografia de primeira. Ouso dizer que (a) “Sonhos Rosados” é mais que um filme, é (b) “uma exploração poética do amor, da sociedade e das possibilidades de conexão humana” – independente de data ou lugar; (c) é um “Romeu e Julieta” (outra obra de Bill) moderno que se passa em terras eslovacas.
 
Viajei bastante tempo (entre o séc. IX e a década de 70, do séc. XX) e percorri mais de 20 mil quilômetros (façam as contas). Cheguei a pensar na possibilidade de estender até Cuzco (Peru), mas fui alertado sobre a altitude do local. Fica para a próxima. Ou não. Koniec (2).

(1)   “Uma Sensação estranha”, Orhan Pamuk, Companhia das Letras.
(2) Fim.

 

* Executivo do segmento shopping centers ([email protected])

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