Homens e ideias
O pensamento humano vem evoluindo. No século 15, prevalecia o dogmatismo religioso. No século 17, vieram os filósofos iluministas. E ajudaram a tornar a razão um instrumento de busca da verdade. No século 20, a ciência apoiou a base da veracidade factual. E, no século 21, o negacionismo arguiu a eficácia da vacina e os princípios civilizatórios como contraprova da verdade. Entrou em cena o jogo da ideologização. Como instância auxiliar da conquista do poder. Nas mídias sociais, as fake news duelam. E a pós-verdade é o centro de debate.
Na bruma que essa discussão provoca, é possível ainda identificar dois conceitos. Que resistem aos ataques negacionistas: os princípios da ciência e os valores morais. Os princípios científicos são diariamente confirmados nos laboratórios de pesquisa. E, afinal, na cura de diversas doenças. Inclusive a Covid. Por sua vez, o passionalismo político e a desvalia ideológica colidem com os valores morais. Fazendo com que a razão seja substituída pela emoção. E o ato de prudência política seja substituído pela violência. Seja vandalizando prédios públicos federais, seja subindo degraus do Capitólio.
O mundo se sustenta na medida da existência de homens representativos. O que são homens representativos? São aquelas pessoas capazes de apresentar qualidade de representar os demais. Por sua credibilidade, seu conhecimento, sua honra. Repito: honra, credibilidade e conhecimento. Essas qualidades tornam o homem representativo. São os grandes homens. Os que tem três metros de altura moral. Os que habitam esfera superior do pensar. Longe dos aventureiros. Que, após embrenhar-se em luta vã, não contam senão com seus sapatos. E talvez a autoilusão de conta bancária.
Na prática, a vida coletiva é alicerçada nos homens decentes. Eles é que geram confiança tanto nos negócios, quanto na política. A economia funciona com dois C: o c de capital e o c de confiança. E a política não trabalha com contratos passados em cartório. Mas opera com a palavra. A palavra dá vida aos políticos. E é por meio da palavra que a política gera espaço de poder, capacidade de governança e decisões. A palavra nasce nas campanhas eleitorais. E veste compromissos. Que se transformam em ações, obras. Ou não. As ações confirmam a palavra. E validam a política. A inação é a negação da política. E o abismo do político. Conforme Ralph Waldo Emerson, "o mundo é sustentado pela veracidade dos homens bons; eles tornam a terra saudável" (Emerson,Homens representativos, Edições 70, Lisboa, 2021, pg. 7).
A soberba do homem induz à falta de pudor no exercício do poder. Por isso, o sábio procura defender-se de si próprio. Limitando suas ambições. Ajustando-as às suas possibilidades. À realidade de suas chances. Ou, por outra, empregando esforço em benefício da sociedade. Pregando a verdade. Defendendo os valores morais. Que conferem sustentabilidade à organização social. E decidindo por abolir a si mesmo. No caso atual do Brasil, o país está enredado num binômio politicamente estéril, negativo, empobrecedor. Lula e Bolsonaro. Eles não apenas se anulam a si próprios. Eles anulam as ideias. Esterilizam o país. Bloqueiam o pensamento criativo. Porque se voltam para ataques ensandecidos.
Veja-se quando se aplica esse raciocínio à guerra da Ucrânia (mais de 3 milhões de ucranianos migrantes). Ou de Gaza (mais de 40 mil mortos). Vê-se como fica aviltado o custo da vida humana. Como se desconsidera o valor das famílias. Como se ignora o preço da reconstrução de cidades. Porque não há como falar em reconstruir estabilidade psicológica. Ou recuperar vidas. Segundo Emerson, cabe ao homem dominar o caos. E não cabe instalá-lo. Cabe ao homem espalhar as sementes da concórdia e da poesia. Porque a vida é um bem que, pela beleza e pelas entregas, vale a pena. Estes são os homens representativos. Edificadores. Exemplares.
O caminho do sábio é não tolerar que a ficção se sobreponha aos fatos. É assumir a consciência do que é veraz. Atado aos princípios da boa-fé e do bom propósito. Boa-fé na origem. Bom propósito no destino. Cumprindo o caminho, no começo, meio e fim. Honrando a verdade. E a si.
* Membro do Conselho de Proteção do Patrimônio Cultural de Pernambuco e colunista da Folha de Pernambuco.
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