Idade e gravidez: até quando adiar?
O ano mal começou, mas com ele uma tônica que vem ocorrendo nos últimos anos no consultório: a maior procura por tratamentos de infertilidade e criopreservação de óvulos. É sabido a mudança do papel da mulher na sociedade moderna, com maior acesso a métodos contraceptivos, casamentos mais tardios, investimento na carreira e a primeira gestação sendo adiada para além dos 35 anos.
Indubitavelmente que devemos celebrar essas conquistas, mas na esteira dessas mudanças muitos casais também vêm enfrentando quadro de infertilidade uma vez que com o passar dos anos a reserva ovariana reduz, o potencial de fertilidade feminino diminui e torna-se mais comum o surgimento de doenças ginecológicas e os abortamentos. Não obstante, o famigerado “relógio biológico” também é válido para o organismo masculino, sendo que a partir dos 45 anos, um em cada cinco homens experimentará dificuldade para engravidar sua parceira.
As técnicas de Reprodução Assistida (TRA) mudaram a perspectiva de conceber e ampliar a família ao redor do mundo e vêm sendo aprimoradas há mais de 50 anos, tendo como marco o primeiro bebê de proveta (fertilização in vitro) em 1978, na Inglaterra. Os cuidados com o corpo, exercícios e dieta balanceada e os tratamentos estéticos nas áreas de Cosmiatria e Cirurgia Plástica vêm permitindo que um número crescente de mulheres se sinta mais jovens, mais saudáveis e com autoestima mais elevada. Para a ginecologista Dra. Karen Lafayette, 35 anos, em programação para engravidar: “nosso corpo não acompanhou nosso estilo de vida.”
Nos últimos 10 anos cresceu bastante o interesse da população no conceito de “Preservação da fertilidade”, o qual se refere ao congelamento de óvulos, espermatozoides e embriões com o propósito de adiar uma gravidez. A princípio, esse tratamento foi idealizado no campo da Oncofertilidade, mas a extensão dessa técnica para fins sociais, isto é, pessoas que ainda não têm definido uma parceria ou que não decidiram quando vão engravidar, foi inevitável. São comuns perguntas como, p.ex.: “Quando devo me preocupar em engravidar?”, “Qual a idade limite para congelar meus óvulos?”, “Existe um tempo máximo de manter o embrião congelado?” e assim o número de banco de células e tecido germinativos vai se ampliando pelo país. Por mais que as tecnologias utilizadas sejam de vanguarda, as TRA têm suas limitações e deve-se frisar também os riscos de complicações obstétricas e perinatais à medida que idade avança.
Por fim, cabe ressaltar que entre os especialistas existe uma análise crítica quando se fala em “preservar fertilidade”, uma vez que a infertilidade pode ser um fenômeno conjugal, às vezes envolvendo múltiplas variáveis e as TRA quando aplicadas não asseguram nascidos vivos. Há de se respeitar que cada pessoa tem sua própria história, com suas circunstâncias e prioridades, mas eis que surge a seguinte provocação bioética: será que não estamos procrastinando a maternidade e/ou estimulando a medicalização excessiva do processo reprodutivo? A área da Reprodução Humana Assistida ainda nos reservará muitas novidades nas próximas décadas; e quem viver (e nascer) verá.
* Médico-obstetra, professor Adjunto de Ginecologia (UFPE) e especialista em Reprodução Humana.
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