O auto do ritmo, do humor e da emoção
Trago comigo uma amálgama de crença e gratidão. São conexões de uma trajetória de vida que tem-me proporcionado oportunidades transformadoras. Não quero dizer que me sinto detentor da razão, ou mesmo, de alguma pretensa verdade. Parto sempre do princípio basilar de que o mais importante é exercer, livremente, minhas escolhas e opiniões, para daí me sentir engrandecido por algum conhecimento que me caiba. E que possa até transmiti-lo, quando requisitado para tal.
Nessa linha de raciocínio, antecipo-me para afirmar que o cinema/audiovisual é um ponto relevante dessa minha vivência. De jovem espectador encantado ao ofício de realizador capturado, conto aí quase meio século. Em tese, isso se traduz como bagagem ou experiência acumulada. Talvez até me permita alguma ousadia no opinar e/ou transmitir, precisamente, quando o assunto é conteúdo. Ou o filme, em si. No entanto, pela complexidade de formas e estéticas que exprimem o tema, na maioria das vezes, prefiro exercer meu comedimento. Ou melhor, minha isenção.
Dado esse contexto, nunca pretendi fazer uso de algum recurso crítico abalizado. Não me sinto preparado. Não é minha missão. O máximo que poderia me caber seria assimilar e transmitir (se provocado) algum nexo lógico, sempre de caráter muito intimista. Ademais, diante do que entenda ser o que há de específico ou geral, na proposta de algum filme. Um aspecto que julgo ser mais simples, trivial e ao meu alcance. E que haja a oportunidade.
Creio que agora se vive um momento importante para o audiovisual brasileiro, situação que me impõe um incitamento, dentro desse modo de ser um cronista discreto, que ousa se manifestar diante de fatos de relevância cotidiana. Refiro-me à estreia do filme "O AUTO DA COMPADECIDA 2", que se dará em mais de 1 mil salas de cinema do Brasil, a partir do próximo dia 25 de dezembro.
Dirigido pelo conterrâneo Guel Arraes e baseado na obra genial do Mestre Ariano Suassuna, a proposta é a continuidade, 25 anos depois, de um dos maiores sucessos de audiência pública, visto e revisto em todas as plataformas de exibição. Só por esse perfil, de ser uma obra vencedora e de extraordinário "recall", o entusiasmo que derivou no fazer essa "revisita autoral", com o aval da família Suassuna, a disposição corajosa de Guel com sua equipe e o desejo de empreender dos parceiros de produção, já antecipo de que valeu à pena.
Nesse embalo, quero apenas externar duas opiniões muito particulares sobre o filme. Primeiro, pelo mérito referencial de uma obra com o selo de Ariano. Tive o privilégio de algumas vezes encontrá-lo e dele receber tantas lições de sabedoria, dentre as quais sua defesa irrevogável pela identidade cultural brasileira. Em seguida, pelo próprio momento de superação do audiovisual brasileiro, por fazer valer toda riqueza da sua pluralidade.
Feito isso, exerço agora meu olhar ponderado pela vivência acadêmica e técnica de "observador social", que sempre envolveu o modo de pensar pela conceito do que seja o papel específico e geral de qualquer ideia. Portanto, no arrojo dessa investida sobre o dizer algo a respeito de O AUTO DA COMPADECIDA 2, minha intenção é para ser encarada como pura colaboração, no sentido de fortalecer a difusão do produto audiovisual brasileiro e daí aproximá-lo do público consumidor.
Sem mais arrodeios, considero essa proposição de continuidade da obra uma ousadia. No sentido específico, pela sustentação da "pegada anterior", no bom estilo de Ariano. A proposta harmônica de segurar ritmo, humor e emoção penso que foi garantida. E sem perder de vista, a sutileza daquela crítica social que vem lá da literatura de Machado, que Ariano tão bem construiu com seu paralelo sutil e irônico, de mostrar o dualismo do Brasil real versus o Brasil oficial. Por complemento, no sentido geral, a clara intenção de ser uma proposta de mercado, com viés popular, para arrebanhar aquelas multidões que, em alguns momentos, deram prestígio presencial aos filmes brasileiros, nas salas de cinema. Sem medo de se assumir como um "blockbuster", com cara e jeito de Chicó e João Grilo - dois dos nossos super-heróis.
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Pois bem, aconselho ir ao cinema para seguir a pegada anterior. E se prepare para sair da sala de exibição mais descontraído e orgulhoso. A sua real identidade estará viva na tela. É só conferir.
Economista, produtor audiovisual e colunista desta Folha de PE.
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