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OPINIÃO

O legado de Severino Rodrigues de Moura: um sonho maior que a realidade

Severino Rodrigues de Moura nasceu em um mundo que não lhe oferecia nada além do silêncio e do trabalho pesado. Sem letras para juntar nem palavras para ler, ele cresceu no seio da pobreza, em uma terra onde o destino de quem nascia no campo era permanecer no campo. Casou-se com Dona Bibi, companheira de luta e de sonhos, igualmente analfabeta, e juntos formaram uma família que, aos olhos da sociedade, estava destinada à invisibilidade. Eram considerados párias, marginais de um sistema que pouco ou nada oferecia aos pobres. Mas, para Severino, essa narrativa já estava escrita por mãos alheias, e ele decidiu reescrevê-la com o esforço e a determinação que só um sonhador pode ter.

Severino não sabia ler, mas tinha na cabeça um objetivo claro e cristalino como a luz do sol: os filhos dele não seriam como ele. Não limpariam mato, não viveriam presos ao ciclo do trabalho braçal. Seus filhos seriam doutores. Ele dizia isso a todos que quisessem ouvir – e também aos que não queriam. Muitos zombavam, riam de sua teimosia, apontavam a inutilidade de um sonho tão grande para um homem com tão pouco. Mas Severino não se abalava. Ele mantinha firme a ideia de que, com esforço e fé, Deus abriria o caminho para que seus filhos cruzassem as barreiras impostas pela pobreza e pela ignorância.

E assim o tempo passou. Severino e Dona Bibi trabalharam de sol a sol, muitas vezes sem ter o que comer, mas sempre com a determinação de que seus filhos teriam algo que eles não puderam ter: educação. A vida não era fácil. Havia dias em que parecia que o sonho era apenas isso – um sonho. Mas os filhos cresceram, e Severino não apenas sonhava; ele incentivava, cobrava e apoiava com toda a energia que tinha.

Ele acreditava na força da escola pública, na oportunidade que o ensino gratuito representava em um país democrático. E foi assim que, um a um, os filhos foram avançando pelos anos escolares. Primeiro, o ensino primário, depois o ginásio, o científico, até chegarem à universidade. Não havia dinheiro para pagar mensalidades, mas não era disso que Severino precisava. Ele pedia algo simples: que estudassem, que aproveitassem cada oportunidade dada. O governo fornecia as escolas; a família fornecia a força de vontade. E foi assim que, ano após ano, o sonho de Severino começou a se realizar.

Todos os filhos se formaram, cada um seguindo um caminho de sucesso. As palavras “doutor” e “professor” começaram a soar nos corredores da família. Severino, que um dia fora alvo de risos e desprezo, viu seu maior sonho se tornar realidade: seus filhos não limpavam mato. Eles haviam conquistado o mundo por meio do conhecimento.

Hoje, relembrando os 110 anos de seu   nascimento.  Hoje mergulhando no túnel do tempo nos leva de volta à história de Severino e Dona Bibi. Eles não tinham bens materiais para deixar como herança, mas legaram algo muito mais valioso: valores, força de caráter e um legado de superação. Cada sacrifício feito, cada noite de sono perdida, cada trabalho pesado desempenhado sem reclamar – tudo isso foi transformado em amor e orientação para os filhos. Eles deram tudo que podiam, exceto o próprio sangue, porque isso não era possível. Mas, fora isso, não faltou apoio nem moralidade para construir o alicerce de uma família de vencedores.

Severino Rodrigues de Moura não era um homem poderoso, mas deixou um legado poderoso. Sua família cresceu, se multiplicou e manteve vivo o seu espírito. Hoje, os netos e bisnetos de Severino ocupam lugares de destaque na sociedade: médicos, engenheiros, enfermeiros, pilotos – todos vivendo o sonho que ele sonhou. É impossível não pensar em sua história como uma prova viva de que, em um país onde há democracia e oportunidade, sempre existe um caminho para vencer.

O sonho de Severino foi maior que sua realidade. Ele sonhou não apenas para si, mas para sua descendência. E, ao transformar seu sonho em realidade, Severino nos deixou uma lição eterna: a de que acreditar é o primeiro passo para transformar o impossível em possível. Sua história, marcada pela simplicidade e pela determinação, será para sempre um farol de esperança para aqueles que ousam sonhar.

* Médico e empresário. 


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