O orçamento do Brasil em 2025
A peça orçamentária da União é, sem dúvida, um dos momentos mais importantes da atividade parlamentar. É nela que se define para onde vão os bilhões arrecadados dos contribuintes, como serão distribuídos os recursos que, em teoria, deveriam atender às necessidades do povo brasileiro. No Congresso Nacional, fala-se em transparência, em justiça social, em desenvolvimento. Mas quando se assiste ao debate, percebe-se que a realidade é outra: aumenta-se o valor das emendas parlamentares, garantem-se fundos generosos para setores que interessam à classe política, mas a saúde pública continua relegada a migalhas.
E nós, médicos que ainda atendemos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sabemos exatamente o que isso significa. Sabemos o que é receber um paciente que esperou meses – às vezes anos – por uma cirurgia que poderia ter sido feita em poucos dias se houvesse verba suficiente. Sabemos o que é ver um hospital sem medicamentos básicos, sem leitos disponíveis, sem condições de oferecer o mínimo necessário para um tratamento digno. Sabemos o que é ver um paciente com câncer ter seu tratamento interrompido porque o hospital não recebeu o repasse necessário para manter os serviços de oncologia funcionando.
O governo fala em inclusão, em crescimento econômico, em justiça social. Mas o que vemos nos corredores dos hospitais públicos é o abandono. Pacientes com dor, famílias desesperadas, médicos e enfermeiros sobrecarregados tentando fazer o impossível com recursos insuficientes. O SUS é um dos maiores sistemas de saúde do mundo, sim. Mas o que isso significa na prática, se não há investimento adequado? Se os profissionais que ainda tentam manter seus serviços conveniados ao SUS se veem forçados a desistir, porque os valores pagos pelo governo não cobrem nem os custos dos insumos?
O Brasil é um país de distorções profundas. Há dinheiro para turbinar campanhas eleitorais, para bancar viagens internacionais, para alimentar um banco como o BRICS, que financia países como o Irã, mas não há dinheiro para garantir que um trabalhador pobre receba atendimento médico a tempo. Há bilhões para emendas parlamentares, mas não há um reajuste digno para os procedimentos médicos cobertos pelo SUS.
Nosso país coleciona décadas perdidas, décadas de promessas não cumpridas, décadas de negligência com os mais pobres. E o resultado está nos números: temos um dos maiores índices de mortalidade hospitalar do mundo. Pessoas morrem não por falta de tratamento, mas por falta de acesso a ele. Morrem não porque a medicina não tem solução, mas porque o governo não prioriza a saúde.
E aqueles que tentam resistir – os médicos, os hospitais que ainda mantêm convênio com o SUS, os profissionais que seguem atendendo apesar das dificuldades – são empurrados ao limite. Porque não se pode manter um serviço funcionando quando os reembolsos são insuficientes até para comprar os materiais cirúrgicos mais básicos. O governo paga um valor ridículo por uma cirurgia de vesícula, por um tratamento de diálise, por uma internação que exige cuidados intensivos. Como um hospital pode sobreviver assim? Como um médico pode continuar atendendo se o próprio sistema o condena à falência?
O orçamento da União deveria representar o pensamento do povo brasileiro. Mas o povo brasileiro quer saúde, quer dignidade, quer acesso a um atendimento médico que não o condene à espera interminável e à morte evitável. No entanto, ano após ano, os números mostram que essa não é a prioridade dos governantes. Eles não precisam do SUS. Eles não enfrentam filas. Eles não sentem na pele o que significa a negligência estatal.
E assim seguimos, em um país onde a vida dos mais pobres vale menos do que um jantar de luxo em Brasília. Onde um trabalhador que passa a vida contribuindo com impostos não tem direito a um atendimento médico decente quando mais precisa. Onde se financia tudo, menos o essencial.
Esse é o Brasil das distorções. O Brasil da desigualdade. O Brasil onde a saúde pública continua sendo um favor, e não um direito.
*médico, empresário e escritor
___
Os artigos publicados nesta seção não refletem necessariamente a opinião do jornal. Os textos para este espaço devem ser enviados para o e-mail cartas@folhape.com.br e passam por uma curadoria antes da aprovação para publicação.