O peso da mochila diária
A vida, se você pensar bem, é como uma longa trilha montanhosa. Cada um de nós carrega uma mochila que vamos enchendo e esvaziando a cada dia. Ás vezes, enche demais. Putras parecem mais pesadas que a do vizinho que caminha ao nosso lado, mas, no fundo, o que faz diferença não é o peso, e sim como decidimos carregá-la.
Lá estava eu, um tanto inquieto, observando um grupo de crianças na praia. Elas corriam, caíam, levantavam, e seguiam com a mesma alegria de antes. Pareciam indiferentes às quedas. Será que esqueceram que o chão machuca? Que a areia arranha? Fere? Ou será que nunca souberam? Talvez, simplesmente, nunca tenham esperado que a vida fosse gentil o tempo todo.
Enquanto isso, um homem sentado numa cadeira ao lado suspirava fundo. Ele estava com o celular na mão, mas não mexia nele. Olhava para o nada, talvez para dentro de si. "A vida é tão complicada", murmurou. Tive vontade de responder: "Sim, mas também é tão simples."
Pensei no que dizem: metade dos nossos problemas são coisas pequenas que ampliamos na mente. Transformamos poeira em tempestade, como se fosse nossa obrigação complicar o que é simples. Será que não percebemos que, muitas vezes, o segredo não é procurar o novo, mas repetir o que já sabemos que funciona?
As crianças, correndo, traziam consigo algo que nós, adultos, costumamos perder: a habilidade de aproveitar a vida enquanto lidamos com os tropeços. Elas não ficavam remoendo a queda ou lamentando o joelho ralado. O objetivo era sempre continuar jogando, rindo, descobrindo.
Olhei para o homem novamente e, dessa vez, resolvi falar:
— Sabe, li outro dia que a felicidade tem menos a ver com prazer e mais com propósito.
Talvez a gente só precise ajustar a bússola de vez em quando.
Ele sorriu, meio sem jeito, como quem agradece, mas não está convencido.
— Fácil falar, difícil fazer.
E ele estava certo. Fácil mesmo é esperar muito do mundo e pouco de si. Difícil é o contrário: elevar os padrões para nós mesmos e abaixar as expectativas para os outros. Mas será que não vale a pena tentar?
A conversa foi breve, mas enquanto caminhava pela orla, pensava: que tal a gente treinar os olhos para buscar oportunidades em meio aos problemas? Nem tudo vai se transformar em algo positivo, mas sempre dá para extrair algo bom de qualquer situação.
Minha mochila parecia mais leve naquele dia. Não porque os problemas tinham desaparecido, mas porque decidi mudar a forma de carregá-los. Afinal, a vida nunca será só subida ou só descida. Mas sempre dá para escolher como vamos enfrentar o caminho.
E assim, antes de entrar no prédio em que estaca, olhei para o céu e agradeci. Porque percebi que, mesmo em dias difíceis, há sempre um motivo para isso. Mesmo que seja apenas a chance de tentar de novo amanhã.
* Jornalista, radialista, filósofo.
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