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OPINIÃO

O que Carter pode ensinar a Biden

Meu pai tinha um livro chamado “Mil Dias”, de Arthur M. Schlesginger Jr, vencedor do Pulitzer de 1966. Eram 2 volumes que ficavam bem no centro da sua estante de livros. O “Mil Dias” conta a biografia de John Kennedy durante seu período na Casa Branca. Eu era um moleque de 8, 9 anos, olhava aqueles volumes e imaginava que, pela grossura dos exemplares, cada página devia corresponder a 1 dia.

Mais de 3 décadas depois, fui entender o significado de 1.000 dias de governo na política norte-americana. Eles são um marco. Depois deles é campanha. Se o governante fez o dever de casa com competência, estará a um passo da reeleição. Do contrário, acabará às portas de uma aposentadoria dourada, coberta de pequenas glórias.

Neste ano, teremos eleições nos Estados Unidos e tudo indica que o presidente Biden não terá vida boa até novembro, quando os norte-americanos irão às urnas decidir seu destino político. É o que mostra pesquisa publicada no site FiveThirtyEight comparando os 1.000 dias de Biden com os presidentes que estiveram na Casa Branca nos últimos 78 anos, começando por Harry Truman (1945-1953).

Biden tem uma rejeição crescente. De abril de 2023 a janeiro deste ano, ela cresceu quase 7 pontos e chegou a 55,7% em 24 de janeiro. Biden chegou aos seus 1.000 dias com apenas 38,8% de aprovação. Nem Jimmy Carter, com 53,8% de aprovação no seu milésimo dia, registrou performance tão ruim. Carter foi derrotado por Reagan. Truman, que chegou a ter 36,1% de aprovação, acabou se reelegendo.

Biden está pior que Bush pai, que tinha 46,3% de aprovação nos 1.000 dias, e Trump (42,8%), que não foram reeleitos. Exceto Kennedy, assassinado em 22 de novembro de 1963, os demais ex-presidentes ganharam um 2º mandato.

Nas principais pesquisas listadas pelo FiveThirtyEight neste janeiro, todas mostram a popularidade de Biden em queda, com aumento das avaliações negativas variando de 10% a 22%. No pior cenário, Biden tem 35% de aprovação e 57% de desaprovação. No melhor, tem 55% de rejeição e 44% de aprovação.

Aos 81 anos (em novembro completará 82), o atual presidente norte-americano dá sinais claros de limitações em função da idade. Tem problemas de locomoção e cometido gafes em série, como chamar o Camboja de Colômbia, confundir a seleção neozelandesa de rúgbi com um grupo militar britânico ou terminar um discurso em Connecticut com a frase “Deus salve a rainha”, sem que o evento, o local ou sua fala tivessem qualquer ligação com a Sua Majestade, que morreria 3 meses depois.

Para piorar ainda mais o inferno de Biden, pesquisa publicada no fim de 2023 registrou que 70% dos norte-americanos acreditam que a política econômica de Biden prejudicou a economia do País. Só 14% viram alguma melhora.

Há fatos que têm incomodado e até revoltado eleitores norte-americanos, como o empobrecimento da Califórnia e outros Estados como Pensilvânia, onde há leis que permitem cidadãos roubarem mercadorias de lojas e supermercados sem serem incomodados pela polícia. O resultado tem sido o esvaziamento econômico com empresas mudando para o Texas ou a Flórida, onde esse tipo de tolerância não existe.

Outro problema é a política externa de Biden, principal financiador da Ucrânia na guerra contra a Rússia, cujos resultados são tão ruins quanto a memória do presidente, que trocou o nome do presidente Volodymyr Zelensky e insiste em chamá-lo de Vladymyr. Há também uma atuação tímida no conflito do Essequibo e na guerra do Oriente Médio.

O establishment norte-americano não conseguiu matar Donald Trump como fizeram no Brasil com o ex-presidente Jair Bolsonaro, hoje impedido de disputar eleições. Trump se prepara para receber a indicação do Partido Republicano depois de vencer as primárias de New Hampishire e desidratar um por um dos seus adversários internos. Será muito, muito difícil mesmo, barrar sua candidatura nessa altura do campeonato.

Nos últimos 3 anos, Trump sofreu muita pressão e muito lawfare, com parte do judiciário norte-americano movido a militância política. Foi superexposto na mídia, que o submeteu a todo tipo de constrangimento, dando voz a qualquer um que o acusasse de qualquer coisa: de envolvimento com prostitutas até sonegação de impostos. Todo esse esforço de desconstrução de imagem não encontrou guarida no eleitor estadunidense médio que, seja pelas trapalhadas do presidente ou pelos excessos contra Trump, rejeita Biden e os democratas.

Pela 1ª vez em muitas eleições, o presidente é o único candidato competitivo dos democratas. Isso indica a necessidade de uma autocrítica e reposicionamento, como se deu depois que Reagan governou 8 anos e Bush pai, 4. Ou seja, levaram 12 anos para se recuperar da derrota de Carter.

Para ganhar a eleição em novembro, Biden precisa pôr em prática uma lição que Carter tentou aprender, mas não foi capaz. A crise do seu governo é de confiança. Quando o eleitor diz que a economia vai bem, mas esse mérito não é do governo, é porque ele confia mais nos agentes econômicos do que no presidente. Parodiando James Carville, marqueteiro de Bill Clinton: é a confiança, estúpido.

Em 15 de julho de 1979, Carter fez um longo discurso em rede nacional. Falou sobre suas viagens ao interior e repetiu frases ouvidas dos eleitores. Destaco 2 delas: “Você não vê mais o suficiente as pessoas”; e “Não fale conosco sobre política ou a mecânica do governo, mas sobre a compreensão do nosso bem comum”.

Adiante, ele admite que os Estados Unidos viviam uma crise de confiança, a qual passava pelo choque do petróleo e o encarecimento da energia nos anos 1970.

Mas mesmo reconhecendo o problema, Carter não soube propor uma solução que seduzisse o eleitorado e restaurasse a confiança perdida. No ano seguinte, foi derrotado por Reagan. Se Biden tiver tempo e disposição para consertar isso, pode virar o jogo. Se não conseguir, acabará com pequenas glórias e uma aposentadoria dourada igual a de Jimmy Carter.

*Jornalista

 

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