Logo Folha de Pernambuco

OPINIÃO

Orçamento secreto. Como explicar?

Onde está o dinheiro que estava aqui?

Quer saber o ministro Flávio Dino do Supremo Tribunal Federal. Aliás não é só o Ministro quem quer saber, é o país inteiro. Pensando bem, a dinheirama de 186,3 bilhões de reais saiu do bolso dos brasileiros e brasileiras de todas as classes sociais.

Por que tanta indignação se há uma regra que se impõe? E esta imposição é de ordem constitucional que obriga aos cidadãos ou a qualquer órgão destinatário à prestação de contas. O que se pretende com isso? Simples: Demonstrar, com evidência e transparência, ao contribuinte, portanto cidadãos, a supremacia do interesse público e o princípio da indisponibilidade.

Existem perguntas que realmente irritam porque não podem ser respondidas. Por exemplo, certa feita o jornalista Samuel Wainer, que atingiria o ápice da carreira durante o julgamento do Tribunal de Nuremberg, perguntou ao Procurador-Geral do Tribunal: “por que não fora convocado o generalíssimo Francisco Franco, ditador da Espanha? Os juízes haviam intimado, afinal, todas as personalidades da era pré-fascista e do tempo do esplendor do fascismo. Por que deixar Franco de fora?”.

O Procurador-Geral considerou a pergunta insólita e redarguiu: “Você não tem o direito de fazer esta pergunta.” Em seguida chamou o jornalista de provocador para, contraditoriamente, consagrar Samuel Wainer. O próprio Wainer satisfeito exultou, posteriormente, dizendo: “Daí em diante todos passaram a olhá-lo com respeito”.

Soa desarrazoado e inverossímil que a Câmara e o Senado, através dos seus respectivos presidentes Artur Lira e Rodrigo Pacheco relutem ao cumprimento de obrigação de fazer: dar transparência aos recursos públicos no que concerne à sua destinação e aplicação.
Não se trata de maculação da autonomia do Poder Legislativo, muito menos desconsiderar prerrogativas. O que se discute é a transparência que se pretende escamotear.

O que acontece nos dias atuais com a Comissão do Orçamento não é um fato histórico novo. Em seu livro Dossiê Brasília. Os segredos dos Presidentes, o jornalista Geneton Moraes Neto diz que ouviu de Itamar Franco nos anos 1993/1994, quando ocorreram irregularidades na Comissão do Orçamento, que teve de aceitar o pedido de afastamento do Chefe de Gabinete Civil Henrique Hargreaves, “que posteriormente foi inocentado, das acusações que pesavam contra ele”.

Portanto, é exemplo a ser seguido. Como se sabe, a ministra Rosa Weber foi relatora da ação que questionou o orçamento secreto, em seguida confirmada pelo plenário do Supremo. A própria Consultoria de Orçamento, Fiscalização e Controle do Senado reconhece que ocorreu “descumprimento formal e ostensivo” da decisão do Supremo Tribunal Federal.”

A Constituição Federal é explícita no art. 70 quando prevê que o controle e fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União é das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, mediante o controle externo de cada Poder, inclusive com o auxílio do Tribunal de Contas da União, como dispõe o art. 71 da Carta Magna.

Nos últimos dias o Ministro do STF Flavio Dino, suspendeu o pagamento das emendas de comissões temáticas por possíveis irregularidades nas destinações dos valores, cogitando-se que uma parte considerável do dinheiro tenha sido destinado para o Estado de Alagoas, reduto eleitoral de Artur Lira, Presidente da Câmara dos Deputados.

Ao mesmo tempo que adotava estas medidas preliminares, Flavio Dino determinou que a Policia Federal instaurasse inquérito para investigar a liberação de R$ 4.2 bilhões de reais em emendas parlamentares sem os requisitos da transparência e rastreabilidade. Não obstante o Ministro não tenha apontado eventualmente práticas criminosas, por outro lado considerou que no mínimo “ocorreu desarranjo institucional”, concluiu prudencialmente.

A cautela é legitima. Não há espaço para satrapear. A presunção de inocência consagrada nas normas legais não desobriga o agente público do dever constitucional de prestar contas, como é da própria essência de uma República sob a égide de um Estado Democrático de Direito.

Os fatos concretos devem ser analisados com critérios legais, porém sem transigências. Não se constrói uma Grande Nação renunciando aos seus valores fundamentais que devem estar ajustados e circunscritos aos pressupostos da supremacia popular, até porque “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”.


Procurador de Justiça do Ministério Público de Pernambuco. Diretor consultivo e fiscal da Associação do Ministério Público de Pernambuco. Ex-repórter do Jornal Correio da Manhã (RJ). 

___
Os artigos publicados nesta seção não refletem necessariamente a opinião do jornal. Os textos para este espaço devem ser enviados para o e-mail [email protected] e passam por uma curadoria para possível publicação.

 

Veja também

Inovações na valorização docente: que caminhos trilhar?
OPINIÃO

Inovações na valorização docente: que caminhos trilhar?

Ano Novo: hábitos novos?
OPINIÃO

Ano Novo: hábitos novos?

Newsletter