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OPINIÃO

Pernambuco: Vanguardismo, Constituição e Soberania

A passagem pelo mês de março nos convida a uma profunda revisitação à história do Brasil, visto que este período se destaca como um marco significativo na trajetória do país. Repleto de eventos que deixaram uma marca indelével, moldando o curso político e social do Brasil, é essencial compreender acontecimentos emblemáticos como a Revolução Pernambucana (1817), o Dia da Constituição (25 de março), também marcado pela outorga da primeira Constituição do Brasil em 1824, e o Movimento "Diretas Já" (1983), desencadeado após manifestação popular em Abreu e Lima, Pernambuco. 

Cada um desses episódios representa uma peça crucial no quebra-cabeça da história brasileira, refletindo batalhas fervorosas por liberdade, democracia e justiça. Ao revisitar esses eventos, é possível compreender não apenas os desafios enfrentados pelo povo brasileiro ao longo dos séculos, mas também a sua resiliência e a incessante busca por um futuro mais justo e democrático.

Mas, de modo especial, o mês de março, por recordar e enaltecer a Revolução Pernambucana de 1817, faz aflorar nos pernambucanos os nossos sentimentos mais ufanistas. O Leão do Norte fez eclodir no dia 06 de março de 1817, a Revolução Republicana de Pernambuco, instituindo um Estado independente e soberano, afastando-se da coroa portuguesa, estruturando a separação tripartite de poderes e positivando garantias individuais inéditas na ordem pátria.

Fortemente influenciado pelos ideais republicanos que se propagavam pela Europa e pela América do Norte, em decorrência das Revoluções Francesa e Americana (Independência), a Capitania de Pernambuco liderou um movimento histórico, que apesar da curta duração - apenas 75 dias - fincou raízes, ratificando a personalidade de um povo revolto, de voz altiva e libertária “que aprendeu a combater e a morrer pela liberdade” (Oliveira Lima).

Definitivamente, não foi apenas mais um movimento separatista; para além do legado fincado pela revolução, tem-se que as motivações que ensejaram a insurreição dos pernambucanos se assemelhavam bastante das razões revolucionárias europeias e, como tais, merecia ser lembrada e valorizada. 

Apesar dos inúmeros fatores que insuflaram os sentimentos revoltosos, podemos destacar a carga tributária excessiva, a insatisfação com os gastos exagerados para a sustentação dos regimes monárquicos, a elevada preponderância dos interesses da nobreza, a centralização do poder estatal e a extrema desigualdade. Ademais, a formação de novas repúblicas em antigas colônias europeias na América (Haiti, Venezuela, Colômbia) também alimentou o espírito revolucionário do povo pernambucano. 

É válido acrescentar e esclarecer que a influência europeia que inspirou a formação dos líderes revoltosos de Pernambuco esteve diretamente ligada ao Porto da Vila do Recife, que facilitava o acesso a pessoas, ideias e livros da Europa e da América (autores como Voltaire, Rousseau, Sieyès e Montesquieu eram fontes de inspiração e pesquisa para formular o projeto constitucional de Pernambuco). 

Acrescente-se ainda a importância das Lojas Maçônicas e do Seminário de Olinda, locais responsáveis pelos debates, sistematização e adaptação da linguagem dos direitos individuais - enaltecidos pelas lutas europeias e americanas - para que se tivesse boa acolhida entre os pernambucanos.

Sensível e importante ponto de convergência entre a Independência Americana, a Revolução Francesa e a Revolução de 1817, foi a necessidade de reconhecimento da soberania popular, e, como natural consequência, a garantia de igualdade e de liberdade. 

É possível inferir que o sentimento de insatisfação e de revolta que permeou por entre os pernambucanos, fez criar uma sinergia que proporcionou a proclamação da República de Pernambuco, capaz de adotar medidas imediatas, fortemente reivindicadas pelos Pernambucanos, tais como o fim dos impostos cobrados por Dom João VI, garantia de liberdade de imprensa e de culto, aumento do soldo dos soldados e a instituição dos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).

Enquanto forma de instituir e consolidar o Governo Provisório, foi promulgada a Lei Orgânica de março de 1817, que tinha por escopo viabilizar uma mínima estruturação e organização político-administrativa do Governo Provisório para que, posteriormente, pudesse legitimar a definitiva Constituição da República de Pernambuco. 

Segundo os ideais revoltosos, após a edição e promulgação da Lei Orgânica, haveria a publicação de uma Declaração de Direitos - com inspiração na Declaração da Virginia, de 1776 e na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 – a fim de se constituir uma sociedade pautada na justiça social, na igualdade e na liberdade. 

A denominada “Declaração dos Direitos Naturais, Civis e Políticos do Homem” chegou a ser enviada para publicação na “Officina Typographica da Republica de Pernambuco”, porém não foi publicada nem circulou por repressão da Coroa.

Assim, ainda que de forma transitória, é preciso enaltecer a Lei Orgânica de 1817, que tratou de temas imprescindíveis à organização do Estado, tais como a estruturação dos poderes políticos, sistematizando a separação tripartite dos poderes ao cuidar do Poder Legislativo (arts. 4º e 5º), Executivo (arts. 8º a 12) e Judiciário (arts. 13 a 20), bem como avançou em temas de direitos individuais, como liberdade de imprensa (art. 25) e tolerância religiosa (art. 23).

Observando os dispositivos insculpidos pela Lei Orgânica de 1817 e, partindo da premissa de que as constituições modernas foram frutos de movimento denominado de constitucionalismo - o qual estabelecia a necessidade de uma constituição como forma de limitar o poder do Estado e garantir direitos fundamentais aos cidadãos - podemos concluir que a Lei Orgânica de 1817 foi, efetivamente, uma Constituição. 

Desta feita, é imperioso destacar que a Lei Orgânica de Pernambuco foi a primeira Constituição brasileira, antecedendo a de 1824 e, inclusive, precedendo a primeira constituição de Portugal de 1822. Noutras palavras, Pernambuco foi a vanguarda do constitucionalismo brasileiro e, em grande medida, do constitucionalismo latino-americano.

Nas perspectivas da Professora Margarida Cantarelli e do Professor Altamir Silva, “Dentre tantos exemplos de pioneirismo que Pernambuco tem dado à História, reconheça-se MAIS um: o da Revolução que recebeu por bênção uma Bandeira e por batismo uma Constituição”.

Com a intenção de fazer uma alocação conceitual dos termos, é válido invocar as palavras do professor pernambucano Marcelo Neves, dispondo que o constitucionalismo seria, “Movimento político, ou doutrina jurídico-política baseada na Constituição, opondo-se à autocracia, com o escopo de estabelecer o regime constitucional, ou seja, com governos moderados tendo sua ação e seus poderes limitados por uma constituição escrita”.

Isto é, a Lei Orgânica de 1817 arregimentou a separação dos poderes, medida essencial para a limitação do totalitarismo/autoritarismo estatal, bem como assegurou direitos individuais, garantidores de proteção mínima do cidadão ante os abusos do Estado-Leviatã. É válido destacar que na Lei Orgânica, foram reconhecidas garantias ainda hoje presentes na própria Constituição Federal de 1988.

Outrossim, por ter sido diretamente influenciada pela Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, é nítida a relação havida entre a Lei Orgânica e o Art. 16 da citada Declaração, o qual estabeleceu que: “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.”

Numa perspectiva histórica, temos que a estruturação do Estado e a declaração de direitos retratada desde 1817 (com princípios estabelecidos até os dias atuais) nos apresenta a necessidade de refletir sobre a efetivação dos ditames constitucionais na atualidade. Essas dificuldades estão longe de ser solucionadas, não por faltar um texto de Constituição adequado às peculiaridades da terra brasilis ou à sua governabilidade, mas porque, nos falta a cultura jurídica e o senso moral de levar a Constituição a sério, de que a “Constituição não é apenas uma folha de papel”.

Foram várias Constituições (1824, 1891, 1934, 1937, 1945, 1967/1969 e 1988) e muitos dos problemas revelados e enfrentados pelos revolucionários de 1817 continuam a existir, vejamos os debates atuais sobre os contornos do nosso pacto federativo, sobre a injustiça na distribuição de recursos e de competências (nas lutas por uma reforma fiscal), a luta pelo desenvolvimento regional e por mais igualdade entre os estados, bem como a luta contra o racismo, a xenofobia, o machismo, a luta contra a intolerância religiosa e os debates sobre a imprensa e o papel das redes sociais. Portanto, é preciso olhar mais para o passado e com maior senso crítico para que possamos conduzir um futuro mais acertado, mais ameno e com menos insatisfação e incertezas.

Por fim, é preciso saudar os mártires da revolução, conhecer os desafios daquele período, atualizá-los e adequá-los às soluções atuais. A nossa incapacidade de aplicar e concretizar, factual e socialmente, os mesmos princípios que constituem nossa identidade cultural e constitucional (há mais de duzentos anos) evidencia, sobretudo, a necessidade de uma releitura da nossa história para uma melhor projeção do nosso futuro.

*Diretor de Relações Acadêmicas do Grupo de Executivos do Recife – GERE

 

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