Quando a crise é uma chance de recomeço
O mundo muda a cada instante. Algumas transformações trazem esperança; outras nos desafiam a refletir e agir. A recente crise envolvendo a Rede Brasil do Pacto Global, braço da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil, foi um desses momentos. Após denúncias e investigações, dois líderes foram afastados de suas funções. O episódio trouxe desconforto, mas também um convite para repensar o papel dessas instituições em um mundo que exige cada vez mais proximidade com as realidades locais.
Não estou aqui para julgar os envolvidos ou o desfecho. Meu objetivo é refletir sobre as lições que crises como essa nos ensinam. Elas nos forçam a olhar para dentro e questionar: como estamos construindo instituições que realmente impactem a vida das pessoas?
A verdade é que organizações internacionais, como a ONU, enfrentam uma desconexão crescente com quem mais precisa. Os grandes discursos, os fóruns em cidades globais, os compromissos assumidos em painéis cheios de pompa muitas vezes não chegam onde deveriam: nas comunidades, nas periferias, nas pessoas que lutam diariamente por educação, renda e dignidade. Esse abismo enfraquece a credibilidade dessas instituições e gera desconfiança.
Eu acredito que podemos mudar isso. Sempre defendi a ideia de aproximar o Pacto Global das bases. Não basta falar dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS); é preciso vivê-los. É preciso enxergar sua relevância no dia a dia de quem sente na pele as mudanças climáticas, o desemprego ou a falta de oportunidades. E essa vivência só acontece na ponta, onde tudo é mais urgente, mais real.
Na Rede Muda Mundo, vivemos essa conexão diariamente. Nosso trabalho é baseado na escuta e no fortalecimento de iniciativas que já estão gerando impacto nas comunidades. Valorizamos as lideranças locais, que conhecem a realidade e sabem onde a transformação pode começar. Acreditamos que unir essa experiência com discussões estratégicas e acesso a capital global é a chave para resultados sustentáveis.
Mais do que palavras bonitas, sustentabilidade e justiça social precisam se transformar em ações concretas. Trabalhamos para levar as vozes dos territórios para os espaços de decisão, garantindo que quem vive o problema também faça parte da solução. Só assim é possível reduzir o abismo entre o discurso e a prática.
Há, sim, um caminho. Ele passa por conectar o mundo estratégico - dos fóruns, das grandes decisões, das articulações globais - com o mundo de quem vive as dificuldades cotidianas. Essa união é poderosa. Imagine o que aconteceria se quem enfrenta os desafios todos os dias tivesse mais voz em espaços como o Pacto Global. Imagine como seria ver o impacto social acontecendo de verdade, saindo do papel e das reuniões para transformar vidas.
Eu acredito nisso. Acredito que crises são oportunidades. Elas nos obrigam a sair da zona de conforto e a enxergar o que precisa mudar. Essa crise pode nos levar a construir instituições mais inclusivas, mais próximas, mais transparentes. Não se trata de acabar com a ONU ou o Pacto Global. Essas organizações são fundamentais. Mas elas precisam abrir espaço para quem já está, hoje, causando transformação nos territórios.
O trabalho da Rede Muda Mundo é um exemplo de como fazer essa ponte. Conectamos as demandas reais das comunidades aos compromissos assumidos em grandes fóruns. Atuamos com transparência e escuta ativa, construindo redes que valorizam a diversidade e a experiência de quem vive os desafios na prática. É assim que acreditamos ser possível transformar discursos em ações e impacto concreto.
O mundo não muda sozinho. Ele muda quando juntamos forças. Quando discursos e ações caminham lado a lado. Quando instituições internacionais descem das cúpulas e se sentam ao lado das lideranças comunitárias para ouvir, aprender e agir.
Esta crise é um lembrete: as mudanças que precisamos não virão do ar-condicionado dos escritórios internacionais, mas do encontro entre cúpulas globais e as favelas, os campos e as periferias. Para que o Pacto Global e a ONU continuem relevantes, é fundamental repensar suas estruturas e práticas, conectando discursos a ações concretas. Só assim teremos um futuro mais justo e sustentável.
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*CEO da Rede Muda Mundo
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