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OPINIÃO

Quando o audiovisual proporciona lições de Brasil

Há ocasiões que a gente se depara diante de certos acontecimentos, de tal maneira que isso mexe com nosso sentimento "oriundi", de ser originário. Este é, exatamente, aquele momento que dá um orgulho danado de ser brasileiro. Ainda mais, quando o motivo que nos garante essa guarida, costuma ser algo que muitos duvidam do valor e/ou da capacidade de fazê-lo acontecer. 

De fato, o chamado "sentimento telúrico" parece mesmo sedimentado na alma humana. Na sua devida intensidade, costuma se manifestar através de distintos elementos culturais.

Afinal, isso representa bem a força de uma identidade cultural que, na sua ordem de grandeza, transmite tantos compromissos, que se torna inevitável enxergá-la. Nesse sentido, os principais valores que diferenciam as verdadeiras nações são, exatamente, tudo aquilo que a efervescência do caldeirão cultural é capaz de expressar. 

Para se tomar como exemplo um registro de considerável valor socioeconômico, o que dizer do alcance da música e do cinema americanos, estrategicamente, projetados para o mundo? Mais do que o exercício de uma supremacia que deriva da massificação da língua inglesa, estão expostos (ou, sutilmente, embutidos) a força do que representa o "american way of life".

E, ainda mais do que isso: uma dose de conscientização de que os conteúdos produzidos tem padrão de qualidade inquestionável. Nessa perspectiva, vale dizer que a proposição do ir além de uma clara "dominação cultural" em si, está também na intenção de se se revelar como algo bem melhor e superior, de tudo aquilo que promove sua concorrência.

Dito isso, quando a gente se depara, entre tantos exemplos que já foram ignorados, com algo "made in Brazil", com qualidade pelo menos igual, bate aquela surpresa, até mesmo, para os que já estão acostumados com referências de padrão de qualidade. Sim, o Brasil faz acontecer exemplos de produções culturais de admirável capacidade técnica, que não tem nada a dever àqueles realizados nos EUA.

Ou mesmo, de onde quer que seja sua origem. Foi-se o tempo de se rebaixar nossos bens culturais como se fossem frutos do nosso estágio inferior de desenvolvinento. Tão ou mais relevante do que esse brutal desconhecimento sobre nossos próprios méritos, há uma atitude dissimulada que só exprime uma absurda carga de preconceitos alinhada a essa percepção.

Para ilustrar essa minha observação, quero aqui enaltecer uma produção audiovisual, que está disponível para acesso e que recomendo com toda ênfase. Refiro-me à série ficcional recém-lançada sobre Ayrton Senna. Um primor, na forma de produto audiovisual, que só faz comprovar uma capacidade técnico-profissional, que dá orgulho ao Brasil.

Claro que o simbolismo que envolve a idolatria por Senna, por si só, garante uma ampla dose de responsabilidade profissional (para quem produziu) e interesse temático (para quem quer consumir). Entretanto, não há como deixar de relevar os valores técnicos e profissionais dos envolvidos com a produção. Orgulha e arrepia.

Ao mesmo tempo que parabenizo os irmãos Gullane (produtores), os técnicos e os artistas envolvidos, sugiro ao público que não só assista aos capítulos da série, até mesmo, para os que não sejam fãs do automobilismo. A proposição aqui vai até além do compromisso artístico. Vale ainda agregar mais um ponto, para o qual o acesso ao conteúdo permita também uma atenção especial ao "making of" disponibilizado ao final. Vale à pena conferi-lo na íntegra.

Daí, não só se terá uma percepção dessa capacidade brasileira de fazer acontecer o audiovisual, pelo mero olhar artístico. Com um pouco mais de atenção racional e imersão analítica, será possível se perceber, a partir de uma clássica referência do que seja o conceito de divisão de trabalho, a real dimensão econômica do setor. Julgo ser muito importante esse conhecimento.

Para aqueles que ainda insistem em agir como incrédulos da força da nossa "indústria cultural", quem sabe esse exercício não seja um bom começo, para rever seus conceitos. 


* Economista, produtor audiovisual e colunista desta Folha de PE.

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