Reginaldo Rossi: o Rei do Brega e a voz de um Brasil plural
Reginaldo Rossi não era apenas um cantor. O Rei era uma ponte entre mundos, um artista que, com sua música, costurou um Brasil fragmentado. Nascido em 14 de fevereiro de 1944, no Recife, Rossi cresceu em um ambiente que valorizava a educação e a cultura. Apesar de ter cursado engenharia civil, sua verdadeira vocação estava no palco, onde encontrou a liberdade para expressar os dramas, as paixões e os sonhos do povo brasileiro.
Seu início na música foi como crooner de orquestra, onde desenvolveu uma técnica vocal impecável e o carisma que marcariam sua carreira. Na década de 1960, fundou sua primeira banda, The Silver Jets, mergulhando no rock’n’roll e na Jovem Guarda, gêneros em alta na época. No entanto, foi ao abraçar os ritmos e temas populares que Reginaldo encontrou seu lugar definitivo na história da música brasileira.
A canção "O Pão", lançada em 1966, foi seu primeiro grande sucesso, misturando irreverência e crítica social em uma época em que o país vivia os desafios da ditadura militar. O título fazia um trocadilho entre o pão literal e a gíria da época para “rapaz bonito”, revelando o humor inteligente de Rossi e sua capacidade de dialogar com diversos públicos.
Reginaldo Rossi não apenas cantava sobre amor e desilusão; ele transformava essas emoções em retratos fiéis da alma brasileira. O grande artista sabia que o amor era universal e encontrou, na simplicidade de suas letras, uma forma de falar diretamente ao coração de ricos e pobres, homens e mulheres, jovens e idosos. Essa habilidade fez dele uma figura singular, capaz de lotar tanto clubes sofisticados quanto circos e shows populares.
Sua relação com o gênero feminino era marcada pelo carinho e respeito. Em um universo musical que muitas vezes banalizava ou objetificava as mulheres, Reginaldo se destacava ao tratá-las como protagonistas de suas histórias. Canções como "Garçom", "Tô Doidão" e "Era Domingo" expressavam as dores e delícias do amor, mas sempre com um tom de respeito e empatia.
Ao longo dos anos 1970 e 1980, Rossi transformou o brega, até então visto como um gênero menor, em um símbolo de resistência cultural. Ele ressignificou o termo com orgulho, defendendo que o brega era, na verdade, um reflexo autêntico da vida cotidiana. Ele dizia com frequência: “Eu canto o que o povo sente, e é isso que importa”.
Dentre os fatos políticos que envolviam o showman, além das disputas para vereador do Jaboatão dos Guararapes e para deputado estadual por Pernambuco, Rossi protagonizou uma das cenas mais icônicas da política em nosso Estado. Como relatou o jornalista Gilvandro Filho, no ano de 1986, durante um showmício de Miguel Arraes, na Praça Convenção, em Beberibe, no Recife, o cantor que arrastava multidões e havia sido a estrela da campanha vitoriosa do então prefeito do Recife, Jarbas Vasconcelos, subiu ao palco e após as falas de apoio ao então candidato Arraes, Reginaldo protagonizou a cena da noite ao cantar “ Eu devia te odiar, no entanto só sei te amar…” O candidato que sempre carregava um tom sisudo, não resistiu.
Nos últimos anos de sua vida, Rossi lutou contra um câncer de pulmão, enfrentando a doença com a mesma irreverência que marcou sua carreira. Mesmo debilitado, nunca perdeu o bom humor ou a conexão com seus fãs, que ele chamava carinhosamente de “minha família musical”.
Reginaldo Rossi partiu em 20 de dezembro de 2013, mas seu legado continua vivo. Ele não foi apenas o Rei do Brega; foi um cronista das emoções humanas, um artista que desafiou preconceitos e construiu pontes entre mundos distintos. Sua música, repleta de verdade e paixão, permanece como um tributo eterno ao Brasil que ele tão bem representou: diverso, apaixonado e inquebrantável.
Jornalista e pesquisador musical.
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