Silêncio interrompido: o outrora seguro caminhar em Casa Forte
O bairro de Casa Forte já foi um reduto de paz. Não a tranquilidade artificial das paisagens idealizadas, mas uma serenidade genuína, daquelas que se entrelaçam com os pequenos rituais do cotidiano, com o tempo vivido e compartilhado no silêncio das ruas. A praça, histórica e, sem exageros, a mais bela joia recifense, acolhia não apenas as conversas, mas também os silêncios; o sino da Matriz, que, aos domingos, com a solenidade de um rito ancestral, marcava o tempo. Ah, como sentimos falta daquelas manhãs, sob o olhar atento e acolhedor do saudoso Padre Edvaldo, que já não está mais entre nós. Entre os rostos que se cruzavam na praça, o do saudoso professor Roque de Brito Alves, com seu fiel cão ao lado, se destacava. Sempre ali, calmamente observando, entre uma pausa e outra, o compasso de uma Casa Forte que ainda se orgulhava de sua rotina imperturbável.
Mas, ah… aquela Casa Forte já não existe mais. As ruas, antes silenciosas e previsíveis, foram tomadas por uma realidade que parecia inverossímil. Não foi uma transição gradual, dessas que se percebe à distância. Não, a insegurança chegou abruptamente, de forma implacável, como quem interrompe um sonho e faz despontar o pesadelo. O que deveria ter sido uma manhã de sábado qualquer - uma moradora voltando da feira, com as sacolas repletas de sabores e aromas de produtos frescos, a poucos passos da Rua Estradas das Ubaias - se transformou em uma amarga lembrança. Um assaltante, em sua moto, com a frieza de quem já conhece o cenário, exigiu uma relíquia, um simples cordão, que, embora de valor modesto, carregava consigo a memória afetiva de sua filha. E o mais cruel? Não se tratou de um incidente isolado, mas de um reflexo de uma realidade que, dia após dia, se repete.
Hoje, os assaltantes transitam pelas ruas com a mesma desenvoltura de quem se sente em casa. E nós, que confiávamos na tranquilidade como algo duradouro, assistimos, impotentes, à dissolução gradual de uma paz que já parecia parte de um passado distante. Andar pelo bairro, ir à livraria, tomar um café na esquina ou saborear um sorvete - esses pequenos rituais que faziam parte da nossa rotina - tornaram-se agora atividades de risco, como se o direito de desfrutá-las fosse um privilégio pertencente a outra era.
E o que fazem as autoridades diante disso? Oferecem respostas padronizadas, discursos vazios, formalidades que mais lembram um rito sem propósito, uma encenação desprovida de alma. A sensação de impotência cresce a cada dia. O medo, antes algo estranho a esse bairro, agora se infiltra nas esquinas, nas conversas baixas, no olhar desconfiado. Promessas, feitas e refeitas, não se traduzem em ações concretas. A comunidade, que um dia foi forte, parece agora meramente espectadora de uma tragédia anunciada, à mercê das decisões de um poder público que não consegue ou não quer perceber o que acontece diante de seus olhos. Os assaltantes circulam livres, donos das ruas, enquanto o poder público observa, distante, como quem assiste a uma peça sem se importar com o enredo.
Essa insegurança recorrente, sempre com o mesmo "modus operandi", sempre com as mesmas vítimas, coloca em xeque a própria identidade de Casa Forte. Onde estão os responsáveis pela defesa do sossego do bairro? Onde estão as ações que se esperam de quem tem o dever de proteger? A tristeza se mistura à frustração de quem ainda guarda um último fio de esperança, mas que é constantemente ignorado por um poder público que parece alheio ao que ocorre sob seu nariz.
Ah, Casa Forte… O próprio nome sugere uma fortaleza, um refúgio seguro, uma barreira contra o caos. Mas essa fortaleza, agora, se mostra trincada. As relíquias roubadas em gestos impiedosos são mais do que simples perdas materiais; elas simbolizam o desmoronamento de um mundo onde a liberdade de andar sem medo pelas ruas ainda parecia uma realidade intocada.
Talvez seja o momento de Casa Forte se reerguer, mas de uma forma nova, mais consciente de sua fragilidade. O bairro carrega um passado que, por mais glorioso que tenha sido, não pode mais ser uma muleta. O futuro exige mais do que recordações; exige ação.
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*Advogado, engenheiro florestal e morador do bairro de Casa Forte
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