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OPINIÃO

Um Recife de saudade

O Recife! Para o visitante que chega ao Recife a primeira paisagem a ser vislumbrada, certamente, são os arrecifes de arenito descritos pelo poeta Bento Teixeira, em sua Prosopopéia (1601) – “é este porto tal, por estar posta, huma cinta de pedra inculta e viva, ao longo da soberba e larga costa, onde quebra Netuno a fúria esquiva”- que forma a barreira natural no mar azul de Pernambuco. Em pouco tempo, a barra do arrecife passou a ser chamada de “Ribeira do Mar dos Arrecifes dos Navios”, uma pequena povoação de mareantes e pescadores que se aglomeravam em torno da ermida de São Pedro Gonçalves, denominada pelos pescadores de Corpo Santo. Assim, protegido das fortes ondas do Atlântico pela muralha de arrecifes, este porto abrigava, além das caravelas, centenas de outras embarcações e, muitas delas, carregadas de caixas de açúcar, com destino ao velho mundo. Assim era o Recife nos seus primeiros séculos, com o seu porto a escoar as primeiras riquezas da terra.

Com o aumento da produção dos seus engenhos de açúcar, surgiu o interesse da Companhia das Índias Ocidentais que, armando uma grande esquadra, apresentou-se nas costas de Pernambuco, em 14 de fevereiro de 1630, dando início a ocupação holandesa nas terras de Pernambuco, escolhendo o Recife para a sede dos seus domínios. Mais tarde, na noite de 25 de novembro de 1631, resolveram os holandeses incendiar Olinda, a Nova Lusitânia de Duarte Coelho, ardendo em chamas os seus belos edifícios e grande exemplares do seu casario. 

Em 23 de janeiro de 1637, chegou ao Recife o conde João Maurício de Nassau, quando foi celebrado um culto em ação de graças à sua presença. Em seu governo, um dos aspectos mais interessantes foi o desenvolvimento cultural da colônia. Durante a sua administração, drenou-se terrenos alagadiços através de canais, construiu-se pontes e Palácios (o Friburgo e o da Boa Vista), também um jardim tropical e um zoológico, além de construir uma nova cidade, a cidade Maurícia, sob a traça dos arquitetos Peter Post e Jacob van Campen. A produção dos artistas de Nassau vindos na sua comitiva, contribuiu, largamente, para tornar conhecida a paisagem do Recife. Pinturas de Frans Post, painéis assinados por Albert Eckhout e mapas de George Marcgrave, que ilustraram o livro de Gaspar Barlaeus, e tantos outros artistas e cientistas que vieram na comitiva, revelam, ainda no presente, a importância daquele período com referências sobre a paisagem, os costumes, a biodiversidade e os tipos humanos que habitavam o Nordeste do Brasil naquela época. 

Com a ampliação do comércio e exportação dos produtos da colônia e a importação de especiarias da Europa e da África, bem como o financiamento da safra dos senhores rurais, surgiu no Recife uma nova classe social voltada para o comércio, após a restauração pernambucana: os mascates. A riqueza imediata e contínua dos mascates transformou o Recife em um local efervescente de comércio, criando entre os moradores de Olinda e os comerciantes do Recife, uma certa rivalidade, culminando com um movimento armado entre ambos. Mas, tal progresso é refletido em dezenas de novas construções no final do século XVII, como os belos edifícios sagrados da cidade. 

Em 1808, com a abertura dos portos a todas as nações amigas pelo Príncipe Regente D.João (VI), o Recife alcança expressivo movimento em seu porto e em seus recantos naturais, sendo a sua paisagem retratada e descrita por centenas de viajantes nacionais e estrangeiros. E, para culminar com essa importância nesse século, em 1827, através do Conselho Geral, o Recife é elevada à Capital da Província. Mais tarde, quando da separação de Olinda, são anexadas ao Recife, a partir de 1843, as freguesias do Poço da Panela, da Boa Vista, de São Pedro Gonçalves, de Santo Antônio, de São José, de Afogados, da Várzea e tantas outras, ampliando, consideravelmente, a sua área urbana. 

Estreitamente unido ao mar e às águas dos rios que lhe banham e compõem a sua paisagem, o Recife de saudades revelava a magia dos poetas, escritores, artistas, fotógrafos e gravadores, os quais através das suas emoções deram-lhe cores e vidas, sempre retratando a cidade e divulgando-a para além de suas fronteiras. 

Assim, encontrava-se o Recife até o século XIX, uma cidade Barroca vislumbrando o Neoclássico e o modernismo, com as suas centenárias igrejas triunfando sobre os telhados dos sobrados erigidos ora às margens dos rios, ora às margens do mar. Um Recife de saudades histórica, romântica, acolhedora e inesquecível.  

* Arquiteto, membro do CEHM, membro do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano e professor titular da UFPE.


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