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Um Salve às Galinhas!

Trata-se de uma resenha da situação econômica brasileira. Ontem ouvi uma expressão, inclusive usual, reclamando o que acontece com o sistema econômico do Brasil em certos períodos de tempo: crescemos em "voos de galinha".

E por que isso ocorre? Devido ao nosso regime econômico. A soma de superavit primário com meta de inflação (desgarrado do nível de emprego) e câmbio flutuante que oblitera(m) o desenvolvimento do País. Desde a construção incompleta do plano Real isso ocorre. Em certo aspecto, esclareça-se: trocou-se inflação por juros-rentistas.

É fato que o nível de dívida pública consolidada (com o compulsório pagamento de juros, sobretudo de curto prazo, que o país precisa recorrentemente fazer) é muito maior em termos orçamentários que quaisquer economias administrativas que o governo consiga fazer. É uma questão de proporção, de ordem dimensional na contabilidade dos valores devidos e possíveis de se economizar. 

Essa constatação não é salvo-conduto para descontrole de gastos de governos irresponsáveis, apenas, um relato de realidade que (contra)argumenta a ortodoxia orçamentária tão apregoada como solução pelo neoliberalismo, o que não traduz a verdade. Nem de longe, se mostra suficiente para deixar de sufocar as contas públicas no todo. 

E mesmo se ocorressem recorrentes e sucessivos superavits primários, o Brasil nunca atingiria consistência prática e capacidade de superação do cenário devedor, senão, e tão somente, apenas, mais pressão sobre a população produtiva e pobre às custas de ainda maior concentração de renda, desinvestimento público e crescente deficit de serviços públicos, seja na infraestrutura, seja em serviços básicos para população.

Outro fator que se justapõe crescentemente neste cenário é a janela demográfica que se fecha, aumentando exponencialmente necessidades de cunho previdenciário, assistencial e hospitalar. Como nessa perspectiva podemos ter esperança que não seja vã?

Para "turbinar" esse regime ou modelo econômico aprisionador impositivo de asfixia desenvolvimentista desde FHC, temos "autonomia do banco central", aumentando o estímulo ao rentismo e desestimulando a industrialização e os investimentos produtivos próprios e, de outro lado, contrariamente, aumentando o estímulo aos investimentos estrangeiros, meramente especulativos e transitórios. 

Mais ainda: temos a política de preços e produção interna de petróleo do Brasil (feito pela Petrobrás), basicamente, exportando recorrentemente petróleo cru e comprando o octano refinado do exterior, embora mantendo ociosidade produtiva interna na ordem de 30% do refino nacional, conquanto repassando a diferença do preço externo importado, mais seguro e mais câmbio para população... Que estímulo produtivo é esse?

E vamos além: há um evidente niilismo de agenda desenvolvimentista dos sucessivos governos, senão, em também contramão, meros alinhamentos e acomodações às práticas de manutenção de Poder, através de coalizões partidárias, emendas legislativas, fundos eleitorais bilionários, lobbies corporativos protetivos, entre outras rotinas senão "anti", decerto, "pseudo" republicanas. 

Quando, a despeito de tudo isso, os astros se alinham e o universo se mostra favorável, ou seja, os preços internacionais de commodities sobem muito e o Brasil tem produção alta ou recorde (que, ressalte-se, é secularmente subsidiada pelo governo) e não sofre contingências de outras ordens, inclusive climáticas, pode pagar as contas e obter balança comercial favorável, voando episodicamente qual um galináceo por um ou alguns anos. 
Sendo assim, o que nos resta, então? 
Um forte e bravo salve às galinhas!

* Procurador Federal e professor universitário.

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