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OPINIÃO

Volta às aulas: o desafio das famílias atípicas na busca por inclusão escolar

Com o início de mais um ano letivo, muitos pais respiram aliviados ao retomar a rotina escolar dos filhos. As férias terminam, as crianças voltam às aulas, e a “normalidade” da rotina familiar é restabelecida. Contudo, para as famílias atípicas, esse período é marcado por uma série de desafios que contrastam com essa tranquilidade. Antes mesmo de pensar em cadernos e uniformes, essas famílias precisam superar barreiras que, na teoria, não deveriam existir.

As famílias atípicas, ou seja, aquelas com filhos que possuem alguma deficiência, como o Transtorno do Espectro Autista (TEA), muitas vezes enfrentam uma verdadeira "via-crúcis" para encontrar uma escola que, primeiramente, aceite a matrícula de seus filhos e que tenha as condições e a estrutura adequadas para recebê-los, acolhê-los e incluí-los de forma plena.

É importante destacar que os desafios mencionados aqui são fruto de queixas frequentes de famílias atípicas, que não pedem nada além do cumprimento da lei. O primeiro obstáculo está relacionado ao direito à matrícula. Embora a matrícula escolar seja um direito garantido por lei, muitas famílias encontram dificuldades já no primeiro passo. Ao visitarem escolas, especialmente da rede privada, não é raro ouvir justificativas como “não há vagas” ou “não temos condições de acolher a criança”.

Essas negativas são mais do que desumanas; são ilegais. A Lei Federal 7.853/89 proíbe a recusa de matrícula de alunos com deficiência, considerando tal prática um crime passível de reclusão e, de mesma forma, multa, conforme reforça a Lei Estadual 15.487/2015. Mesmo assim, para muitos pais, ouvir "não" é o início de uma luta desgastante que deveria ser desnecessária.

Após a matrícula, as famílias enfrentam um segundo grande desafio: a inclusão escolar na prática. É preciso mais do que boa vontade para que a criança com deficiência possa, de fato, participar do ambiente escolar de forma plena e digna. Para isso, algumas medidas são fundamentais, tais como: A elaboração do Plano Educacional Individualizado (PEI), onde a coordenação de educação inclusiva da escola deve avaliar o aluno e, com base em suas habilidades e dificuldades, elaborar um plano de ensino que permita ao estudante acompanhar os conteúdos ministrados aos demais alunos do mesmo ano letivo. 

Além do acesso ao suporte pedagógico extra, como a sala de recursos e professor de apoio de educação especializada são essenciais,  inclusive em contraturno escolar, caso seja necessário, para que o aluno consiga acompanhar o material acadêmico lecionado. 

Quando necessário, deve ser disponibilizado também um profissional de apoio, para auxiliar a criança em atividades cotidianas na escola, como locomoção, alimentação, idas ao banheiro, entre outras. É direito do aluno ter acesso ao acompanhamento de um assistente terapêutico (profissional de saúde que irá aplicar a terapia baseada na Ciência ABA) durante todo o tempo que permanecer no ambiente escolar.   

Apesar de todos esses direitos estarem garantidos pela Constituição Federal, pela Lei Brasileira de Inclusão (13.146/2015) e pelo Estatuto da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Lei 12.764/2012), na prática, raramente são oferecidos de forma adequada aos alunos com deficiência. Por isso, para as famílias atípicas, a volta às aulas está longe de ser tranquila. Ela é, infelizmente, marcada por mais uma série de batalhas e dificuldades, enquanto buscam garantir que seus filhos tenham acesso a uma educação justa, inclusiva e de qualidade.

* Advogado especialista em Direito dos Autistas e pai atípico.

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