Oposição da Venezuela confia em milhares de apoiadores para monitorar eleições e garantir vitória
Em entrevista ao Globo durante uma caravana no interior do país, líder opositora disse que confiará apenas na estrutura de controle de votos montada pela oposição
A oposição mais forte ao presidente venezuelano, Nicolás Maduro, conta com milhares de apoiadores para monitorar as eleições do próximo domingo, quando projeções indicam que até 13 milhões de pessoas devem comparecer às urnas.
A estimativa da oposição, de acordo com a agência Associated Press, é de que 500 mil pessoas se registraram nos chamados “comanditos” — ou pequenos comandos de bairros — para acompanhar o processo.
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Para María Corina Machado, a figura mais importante dessa oposição e da campanha do candidato Edmundo González Urrutia contra o presidente Nicolás Maduro, o importante não é o que dirá o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) na noite de domingo ou madrugada de segunda-feira.
O que pesará na hora de reconhecer o resultado divulgado pelo CNE, disse ela a ao Globo, será o monitoramento que seu comando fará da votação.
— Vamos contar os votos e reconhecer o que digam os votos — disse María Corina, depois da última caravana que realizou no interior do país, na cidade de Maracaibo, no estado de Zulia.
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A falta de uma autoridade eleitoral independente — o governo tem no CNE três de cinco cadeiras —torna o monitoramento crítico para a habilidade da coalizão opositora Plataforma Unitária de verificar ou contestar o resultado.
Como no passado o governo adotou estratégias para prejudicar o comparecimento, os comanditos — alguns liderados pelos partidos da aliança e outros formados organicamente — se preparam para postos de gasolina fechados, falta de luz em redutos opositores, bloqueio de ruas e estradas e limitação do acesso aos locais de votação, segundo a AP.
Alguns grupos estão armazenando gasolina em casa e oferecendo seus carros ou motos para transportar eleitores. Também estão prontos para arranjar caronas para os eleitores, fornecer apoio caso encontrem postos de controle governista ou distribuir água ou alimentos caso se formem longas filas de votação.
Ainda segundo a AP, todos foram instruídos a, depois de votar, permanecer do lado de fora dos centros de votação para respaldar outros eleitores e seus representantes nas seções eleitorais, cujas funções incluem garantir uma cópia dos certificados de contagem impressos por máquinas de votação eletrônicas após o fechamento das urnas — as regras eleitorais permitem que os partidos tenham uma testemunha para cada seção eleitoral.
Muitos locais de votação, porém, são dispersos, dificultando o monitoramento pela oposição.
O CNE decidiu instalar cerca de 36 mil urnas — nesta eleição, cerca de um terço dos eleitores registrados estão designados para locais com apenas uma ou duas máquinas de votação.
Metamorfose política
Apesar dos desafios, María Corina, que foi inabilitada para disputar eleições e ocupar cargos públicos por 15 anos, fala com serenidade sobre o processo eleitoral.
Quem a conhece, sabe que a oposicionista passou por uma metamorfose política nos últimos tempos e se conectou com as classes mais baixas do país como nunca tinha feito em sua carreira política.
O que mais lhe dizem nos comícios, comentou, é “eu te amo”.
A nova María Corina discorda quando é considerada membro da elite venezuelana, apesar de sua família ser conhecida por sua fortuna. Hoje, ela diz estar à frente de um projeto político que existe “sem as elites, e, em muitos casos, apesar das elites”. S
ua equipe de campanha não é grande, algumas pessoas trabalham refugiadas em embaixadas, e a participação de voluntários é essencial. Com esse pano de fundo, María Corina diz confiar em observadores internacionais como o Centro Carter e a ONU, mas reitera que os principais observadores da eleição de domingo serão os próprios venezuelanos.
— A comunidade internacional tem uma grande responsabilidade, mas esta eleição se define com os votos, e pedimos que os votos sejam contados. Cada venezuelano tem o dever de controlar seu voto — frisou uma María Corina enérgica na terça-feira, após ter acordado às 3h em Caracas, viajado mais de dez horas por terra e liderado um comício na avenida principal de Maracaibo.
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Quando lhe perguntam se hoje a sociedade venezuelana tolera uma líder que, durante anos, foi chamada de intransigente, sua resposta é taxativa:
— Acho que as pessoas também se tornaram intransigentes — disse, acrescentando: — Mas podemos e devemos ser muito flexíveis, e demonstramos isso com a maneira como enfrentamos o regime nos últimos tempos. Este regime não pode ser enganado, mas sim surpreendido. Não podemos ser previsíveis.
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A atual eleição é vista pela mulher que não é candidata, mas fala como se fosse — o que desata dúvidas sobre o futuro de sua parceria com o candidato González Urrutia —, como um jogo de futebol, no qual um dos times está em absoluta desvantagem.
— O árbitro é amigo da outra equipe, nosso gol é mínimo e o do adversário é enorme, e nosso goleiro está com uma mão amarrada. Mas temos todo o estádio a nosso favor — afirma.
Ela afirma que "80% da oposição está convencida de que vamos vencer. Esta é nossa última oportunidade. As pessoas choram, me dizem que é a última oportunidade de que seus filhos não abandonem o país”.
Quando perguntada sobre a possibilidade de vitória do chavismo, garante que isso é impossível, “que seria, se acontecer, resultado de uma fraude escandalosa”. Sua esperança está depositada no que define como “a maior estrutura de controle civil dos votos jamais vista”.
Conexão emocional
Embora a considerem autoritária, dirigentes da oposição reconhecem que María Corina — que foi deputada entre 2010 e 2015, já levou um murro na cara de uma congressista chavista, foi excluída da elite opositora durante anos e nunca apoiou de forma contundente o autoproclamado governo interino de Juan Guaidó — é quem conseguiu construir uma conexão emocional poucas vezes vista entre opositores com a população. Apesar de saber que é tolerada, não genuinamente aceita por seus aliados da oposição, não parece se importar com isso, pelo contrário.
— Me subestimaram por ser mulher, além de liberal e membro de uma família com dinheiro — admite a líder opositora, que não gosta de ser comparada com figuras como o presidente da Argentina, Javier Milei: — A Venezuela é muito diferente da Argentina.
Mas a realidade é que sua visão sobre o Estado é muito parecida com a do chefe de Estado argentino.
— A saúde, educação, atenção aos idosos são deveres do Estado. Mas está comprovado no mundo que as leis do mercado funcionam, aqui todos preferem ter serviços privados. O Estado roubou direitos, paga salários miseráveis. Chávez igualou os venezuelanos na pobreza. Eu acredito numa sociedade na qual todos possam crescer com base ao mérito — explica a fundadora do movimento Vente Venezuela, que nunca teve autorização para tornar-se um partido.
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Muitos se perguntam o que faria María Corina em relação aos contratos assinados pelo governo chavista com empresas estrangeiras, sobretudo do setor de petróleo, às dívidas da Venezuela com organismos internacionais e outros países (entre eles o Brasil), além de credores privados que hoje, admite a líder opositora, apoiam Maduro.
— Os credores estão a favor de Maduro, com uma visão de muito curto prazo. Muitos não achavam que seria possível sair de Maduro. Devem perceber que Maduro sim vai sair — assegura.
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Se González Urrutia vencer, e ela, finalmente, chegar ao poder — num formato ainda a ser definido —, garante que recorrerá ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e buscará reestruturar as dívidas do país. Até aí chegam as informações sobre um eventual governo opositor. Hoje, o foco é contar votos.
— Hoje ganha Edmundo. Setores do chavismo me procuram para perguntar como seria uma transição, porque alguns setores consideram que esse processo é irreversível. Minha resposta é sim, vamos negociar, se eles cumprirem com as regras da democracia — conclui María Corina, a figura que assusta os chavistas, mas também setores opositores.
Seu capital político é uma conexão com amplos setores sociais que nenhum outro dirigente da oposição conseguiu. Na Venezuela, sabe-se que um eventual não reconhecimento do resultado por parte da líder opositora — não necessariamente também por parte de González Urrutia — terá consequências sociais. Quão graves seriam? Ninguém se atreve a dizer.