Órgãos infectados com HIV: veja as contradições nos depoimentos dos investigados no caso
Entre as contradições está quem seria o responsável por analisar e liberar um dos exames que deram negativo para o vírus
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Nessa sexta-feira (18), o Tribunal de Justiça do Rio renovou a prisão temporária dos presos investigados no caso dos transplantes de órgãos infectados com HIV. Ao longo da semana, a Delegacia do Consumidor (Decon) ouviu os depoimentos de alguns dos investigados pelo caso. Entre eles, há diversas contradições que os policiais apuram, como quem foi de fato o responsável por realizar os exames da Central de Transplante.
Quem já prestou depoimento:
Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira, sócio do PCS Labs Saleme e investigado
Walter Vieira, sócio do PCS Labs Saleme e preso temporariamente
Márcia Nunes Vieira, sócia do PCS Labs Saleme e investigada
Ivanilson Fernandes dos Santos, técnico e preso temporariamente
Cléber de Oliveira Santos, técnico de laboratório e preso temporariamente
Adriana Vargas dos Anjos, coordenadora técnica do PCS Labs Saleme
Jacqueline Iris Bacellar de Assis, técnica do laboratório e presa temporariamente
Data de saída do Cleber do PCS Lab Saleme
O dia em que o técnico de laboratório Cléber de Oliveira Santos parou de trabalhar na PCS Lab Saleme é um dos pontos de contradição nos depoimentos das pessoas ouvidas pela polícia na investigação do caso. Cléber alega que deixou de trabalhar no laboratório no dia 20 de janeiro, antes de o primeiro exame de falso negativo ser realizado.
Em depoimento à polícia, ele afirmou que trabalhou como coordenador dos serviços de laboratório do IECAC até o dia 15 de janeiro, quando pediu desligamento. Ele pontua que continuou no trabalho até a substituição, ocorrida no dia 20 de janeiro.
Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira, sócio do laboratório, diz que a informação é incorreta e que Santos trabalhou na unidade até o dia 31 de janeiro. Uma funcionária que começou a trabalhar no IECAC em fevereiro declarou que não chegou a conhecer Santos, mas não deu detalhes sobre a data que ele teria saído.
A participação direta de Cléber no laudo de falso negativo é apontada por Walter Vieira, médico e também sócio do laboratório. Segundo ele, era Cléber quem deveria ter realizado um procedimento de checagem no equipamento em que os testes de HIV eram feitos: “Porém, tal procedimento não foi feito por Cléber, e essa falha fez com que o resultado do teste desse negativo quando, na verdade, deveria ter dado positivo”, contou Vieira à polícia. Ele ainda acrescentou que a liberação do laudo também teria sido realizada por Cléber.
Acesso ao sistema para modificação de laudos
Outro ponto de divergência nos depoimentos é sobre o sistema de lançamento de laudos e o acesso por senha pessoal. À polícia, Jacqueline Iris Barcellar de Assis afirmou que a empresa de tecnologia de Matheus “controlava o sistema do laboratório e manipulava os resultados, com possibilidade de adulteração dos exames”. Em seu depoimento, Cléber reforçou essa versão, dizendo que algumas pessoas conseguiam editar “lançamentos feitos anteriormente se tivessem senhas 'master'". O técnico ainda afirmou que Matheus e os sócios do laboratório tinham esse tipo de acesso.
Matheus, por outro lado, declarou que a senha “master” do setor de TI “somente permitia a correção de erros em algum laudo” e que qualquer modificação ficava registrada no sistema.
Adriana dos Anjos, uma das biólogas do laboratório, afirmou que não assina laudos, mas que tem acesso ao sistema da empresa com uma senha pessoal. Segundo ela, não há possibilidade de que alguém “acione seu trabalho utilizando a senha master”. Como o inquérito ainda não foi finalizado, não há confirmação de como o sistema funciona e se de fato há alguma forma de alterar os laudos com uma senha diferenciada.
Controle de Qualidade
Uma das linhas de investigação da Polícia Civil é se os erros aconteceram por uma falha no controle de qualidade do exame para HIV. Ivanilson Fernandes dos Santos afirmou que o estabelecimento passou a fazer testes de controle de qualidade de seus equipamentos semanalmente para economizar. Em depoimento à Polícia Civil, ele conta que o procedimento era feito diariamente até dezembro de 2023, mas para reduzir os custos a coordenadora Adriana Vargas ordenou que fossem feitos uma vez por semana.
Outra funcionária a indicar que os donos do laboratório ignoravam o controle de qualidade é Jacqueline Iris Bacellar de Assis, que também foi presa semana passada. Ao depôr na delegacia, ela confirmou a versão de Ivanilson Fernandes. Ela foi uma das presas temporariamente porque sua assinatura aparece em um dos laudos. Jacqueline nega que tenha feito qualquer exame e que um dos donos, Walter Vieira, ordenou em janeiro que não fossem feitas as calibragens dos aparelhos diariamente, mas sim uma vez por semana.
“ Foi o próprio Walter Vieira que deu a ordem a todos os setores para economizar os custos. Essa economia deveria abranger todas as áreas da empresa, inclusive ao controle de qualidade dos reagentes usados para a realização do material fornecido pelos clientes e também por doadores de órgãos”
O laboratório nega que tenha reduzido o controle. Em seu depoimento, o sócio Walter Vieira diz que a folha foi exclusivamente humana e que o primeiro resultado errado foi causado porque o técnico Cléber Santos não fez um "procedimento de checagem do equipamento".
O técnico Cléber Santos, que chegou a coordenar o laboratório que fazia os exames para a Central de Transplantes, também negou que tenha tido ordens para reduzir o controle de qualidade. Ele afirmou em seu depoimento que cobrava que diariamente fossem checados os itens para os exames.
"Esse controle é necessário para aferir os equipamentos e garantir a segurança dos resultados; que nunca soube sobre alterações nos protocolos de segurança e ficou surpreso ao saber disso a partir de sexta-feira, dia 11/10/2024; que não fazer o controle diário dos equipamentos significa assumir o risco de emitir resultados falsos em desfavor dos pacientes; que no período em que esteve na função era comum receber material da Central Estadual de Transplantes que chegava na unidade" disse em depoimento.
A assinatura e diploma de Jacqueline
Um dos laudos que atestou erroneamente que não havia o vírus HIV no doador contém a assinatura de Jacqueline Bacellar, apesar dela não ter formação técnica para isso. Ela diz que tem formação como técnica em análises clínicas, mas o laboratório afirma que ela apresentou um diploma falso como biomédica — o que a credenciaria para trabalhar analisando as amostras.
Em seu depoimento, Jacqueline disse que tinha apenas uma função administrativa e nunca havia assinado um laudo. Ela conta ainda que ao começar a trabalhar no PCS Labs Saleme foi pedido que ela assinasse um papel com sua rubrica para cadastro no sistema.
O sócio Walter Vieira nega a versão da antiga funcionária e afirma que foi ela a assinar o laudo com o teste negativo. O médico ainda afirma que Jacqueline apresentou o falso diploma. Ele ainda diz que o segundo caso só ocorreu porque Ivanilson Fernandes digitou errado o resultado no documento.