Ortega, controle total na Nicarágua com oposição e Igreja amordaçadas
O presidente Daniel Ortega segue com repressão contra qualquer voz dissidente, inclusive na Igreja Católica
O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, e sua esposa e vice-presidente, Rosario Murillo, caminham para o controle quase total da vida dos nicaraguenses mediante a repressão de qualquer voz dissidente, inclusive na Igreja Católica.
A acumulação de poder do casal presidencial vem sendo gestada desde o seu retorno à Presidência em 2007, após mudanças na Constituição em 2011 e 2014, explicou à AFP a socióloga Elvira Cuadra, exiliada na Costa Rica. Entre as modificações promovidas por Ortega está a eliminação do artigo que proibia a reeleição consecutiva.
Ortega "modificou a natureza do modelo de governo estabelecido na Constituição [...] podemos ver que há uma mudança, por um [modelo] autoritário [...] que concentra a tomada de decisões de forma discricionária no casal presidencial", observou Cuadra.
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Perseguição a opositores
No último ano, o governo deteve 46 opositores e críticos, condenando-os a penas de até 13 anos de prisão. Entre os presos, sete eram candidatos à presidência nas eleições de 2021, nas quais Ortega foi reeleito pela quarta vez consecutiva.
Também foi ocupada a sede do jornal opositor La Prensa, com quase 100 anos de existência. Seu editor-chefe, Juan Lorenzo Holmann, está preso. O diário continua circulando em formato digital e seus funcionários se exilaram em julho, temendo a prisão.
Ademais, o canal de televisão da Igreja Católica foi fechado pelo órgão regulador das telecomunicações junto com outros meios de difusão eclesial.
O Parlamento, por sua vez, cancelou a personalidade jurídica de mais de 1.000 fundações e organizações cívicas que trabalhavam em defesa dos direitos humanos, de mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade e da liberdade de expressão, assim como de universidades privadas e entidades culturais.
As autoridades alegam que as ONGs foram banidas por não terem se registrado como agentes estrangeiros, como manda uma lei aprovada em 2020, e por obstaculizar as ações de controle e vigilância realizadas pelo Ministério de Governança.
Em julho, freiras das Missionárias da Caridade, a ordem fundada por Madre Teresa de Calcutá, fugiram a pé da Nicarágua para a Costa Rica depois que o Congresso fechou seus escritórios e alegou que elas não estavam credenciadas para realizar ações de assistência social.
Choque com a Igreja
Nos últimos quatro anos, a Igreja Católica tem sido um dos poucos redutos de rebeldia de onde partem questionamentos das ações governamentais.
Em seus discursos oficiais, a primeira-dama afirma que as críticas de bispos são "um crime" e "um pecado de lesa-espiritualidade".
O assédio ao bispo Rolando Álvarez, que está retido pela polícia na cúria de Matagalpa desde a semana passada, revela a luta do governo com a Igreja Católica, opinam analistas no exílio.
"O governo sempre quis uma Igreja muda, não quer que falemos, nem denunciemos a injustiça", declarou Álvarez em suas homilias.
"Uma coisa é o evangelho de Deus, outra coisa são as ações terrenas de homens que vestem a batina para fazer política", questionou o deputado governista Wilfredo Navarro, que tachou Álvarez e outros religiosos de "falsos profetas", em entrevista ao canal sandinista de televisão.
Ortega e Murillo "estão fechando o país, anulando as vozes críticas [...] é um estado de situação que corresponde a uma condição de fraqueza, eles só têm apoio na força policial", opinou Elvira Cuadra, para quem essa debilidade deve-se à falta de "legitimidade" de Ortega.
O Conselho Permanente da OEA, reunido nesta sexta-feira (12) em Washington, condenou "energicamente o fechamento forçado" de ONGs e o "assédio e as restrições arbitrárias de organizações religiosas e de vozes críticas ao governo e a suas ações". "O ambiente de opressão se agravou", alertou o Conselho da OEA.