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CLIMA

Os pontos de inflexão da mudança climática que preocupam cientistas

Muitos pontos já são irreversíveis

AntárticaAntártica - Foto: Pixabay

Um dos principais desafios da COP26 do clima em Glasgow é manter viva a meta de +1,5ºC de aumento médio na temperatura do planeta, mas os cientistas temem outras ameaças: os chamados pontos de inflexão, ou sem volta.

São vários os locais do planeta que estão expostos a esses momentos decisivos, nos quais seu destino ecológico pode pender para um lado ou para o outro.

E todo ecossistema planetário depende desses nós intrincados.

Na Groenlândia e na Antártica, o degelo de enormes extensões congeladas poderia elevar o nível médio dos oceanos em mais de uma dúzia de metros.
 

Na Amazônia, a floresta tropical pode passar por um processo de "savanização" que afetaria irremediavelmente a capacidade do planeta de reciclar CO2. 

A Sibéria representa um enorme depósito de CO2 que pode acabar na atmosfera, se o processo de dissolução do permafrost se estender.

"Já detectamos vários pontos de inflexão em recifes de coral e sistemas polares e, com as projeções de aquecimento global em mãos, provavelmente haverá outros no curto prazo", alertou um esboço do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da ONU.

 Pontos irreversíveis 

Muitos desses pontos já são irreversíveis. 

O fundador do Instituto Potsdam de Pesquisa Climática, Joachim Schellnhuber, lembra como se deu conta, há 15 anos, desses momentos decisivos na história das mudanças climáticas.

"Percebi que a maquinaria do planeta, sejam monções, circulação oceânica, correntes oceânicas, tem muitos sistemas não lineares. Isso significa que há muitos pontos sem volta", explicou. 

Na Antártica, porções de massas congeladas do tamanho da Escócia e da Inglaterra podem em algum momento entrar em colapso no oceano, devido ao aquecimento global, que racha aquela região.

"É como abrir uma garrafa. Estamos abrindo uma após a outra", explica Schellnhuber.

As mudanças climáticas e o desmatamento também fizeram grande parte da região amazônica deixar de absorver CO2 e passasse a emiti-lo. 

Essa alteração pode transformar um dos grandes aliados contra as mudanças climáticas em um inimigo. 

Os cientistas lutam para determinar quais temperaturas causam o ponto sem retorno em um ecossistema.

Mas o desafio é extremamente complexo, porque os modelos de previsão são baseados em uma atmosfera imprevisível e em constante mudança.

A isso se soma a contribuição contínua de CO2 e de metano de origem humana. 

"Pontos de inflexão são riscos existenciais e temos que fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para evitá-los", frisou Tim Lenton, diretor do Instituto de Sistemas Globais da Universidade de Exeter e autoridade no assunto.

 Quinze pontos 

Os cientistas descobriram 15 pontos de inflexão significativos, alguns regionais, alguns globais, todos interconectados.

Partes do sistema climático que são mais resistentes ao aumento das temperaturas incluem correntes que redistribuem o calor através dos oceanos, como o fenômeno El Niño no Pacífico, as monções do Sudeste Asiático, ou a desertificação no Sahel africano.

Embora o permafrost na Sibéria não tenha um limite de temperatura que vá causar uma mudança dramática, seu lento descongelamento liberaria dezenas de bilhões de toneladas de CO2. 

O IPCC publicou cinco relatórios importantes ao longo de três décadas sobre as mudanças climáticas. E, no próximo, de acordo com o rascunho consultado pela AFP, os pontos de inflexão assumem um papel cada vez maior.

"Respostas abruptas e pontos de inflexão do sistema climático (...) não podem ser descartados", acredita este grupo de especialistas.

A ameaça sempre esteve presente, mas é difícil percebê-la, porque os modelos climáticos são construídos em uma longa série de observações científicas. 

"Há uma década venho dizendo que devemos levar esse risco a sério e que o IPCC deveria dar mais importância aos pontos de inflexão", explica Lenton.

Alguns estudos parciais já abordam as consequências físicas diretas. Por exemplo, a aceleração do degelo na Groenlândia afetará a circulação das correntes no Atlântico e empurrará as chuvas tropicais para o sul, enfraquecendo as monções na África e na Ásia, vitais para as safras de milhões de pessoas. 

Essas correntes podem desaparecer, como já aconteceu no passado. Isso tornaria os invernos europeus muito mais rigorosos, enquanto o nível da água aumentaria substancialmente no Atlântico Norte. 

As dúvidas permanecem porque, ao mesmo tempo, vestígios do passado indicam que a Terra pode estar caminhando para um excesso de calor, segundo o último relatório do IPCC. 

A última vez que a atmosfera resistiu aos níveis atuais de concentração de CO2, há três milhões de anos, as temperaturas eram pelo menos 3ºC mais altas do que são hoje, e os oceanos, entre 5 e 25 metros mais altos.

Essa trajetória pode levar o planeta para uma situação sem volta em menos de um século, alerta Jan Zalasiewicz, professor de paleobiologia da Universidade de Leicester. 

Segundo outro especialista, Johan Rockstrom, "a partir do momento em que os sistemas terrestres passarem do resfriamento, como é o caso hoje, para o aquecimento, aí perderemos o controle".

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