ELEIÇÃO

Os principais erros de Milei na campanha argentina

Candidato da ultradireita subestimou a falta de colaboradores com experiência política e o impacto de declarações polêmicas

Milei foi alvo durante primeiro debate presidencial na ArgentinaMilei foi alvo durante primeiro debate presidencial na Argentina - Foto: Tomas Cuesta/AFP

O que falhou na campanha do candidato da ultradireita argentina, Javier Milei, que entre as Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso), de 13 de agosto, e o primeiro turno das eleições presidenciais, no último domingo (22), não conseguiu ampliar sua base de apoio, e acabou ficando em segundo lugar, superado por quase sete pontos percentuais pelo peronista Sergio Massa?

A seguir, cinco dos principais erros cometidos pela campanha de Milei, segundo jornalistas e analistas locais e, até mesmo, colaboradores do candidato consultados pelo Globo:

1 - Milei apostou nas redes sociais como principal canal de comunicação e não levou em consideração que nessas mesmas redes sociais circulariam — em alguns casos, viralizariam — vídeos com comentários polêmicos que o candidato fez quando não competia pela Presidência do país. As redes são uma faca de dois gumes, e Milei ignorou os riscos que corria.

Desde o governo do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), o líder do partido A Liberdade Avança tem uma presença expressiva nas redes, e, também, na mídia local. Milei ficou famoso justamente por seu estilo intempestivo e por suas falas escandalosas. Mas assim como vídeos mostrando o candidato destruindo uma pinhata em forma de Banco Central — em referência à sua proposta de eliminar a instituição — ajudaram a torná-lo famoso, esses mesmos vídeos causaram pânico em muitos eleitores na reta final da campanha.

O mesmo aconteceu com suas declarações sobre livre porte de armas, venda de órgãos e suas confissões sobre falar com um de seus cachorros já falecidos.

— Milei passou grande parte da reta final da campanha explicando que na verdade não quis dizer isso ou aquilo. O arquivo de imagens acabou se tornando um problema para ele — comentou o jornalista Julián Alvez, do El Cronista, que trabalhou na campanha de Milei em 2021.

2 - Segundo Alvez, “Milei também errou ao ser muito enfático em iniciativas como corte dos gastos públicos e até mesmo sobre a dolarização”.

— A realidade, e isso agora ficou bem claro, é que os argentinos se refugiam no dólar mas têm dúvidas sobre o projeto de dolarização. Não existe consenso, assim como não existe consenso sobre muitas das propostas de Milei — acrescentou o jornalista.

3 - Outro dos erros do candidato da ultradireita foi minimizar a importância de não contar com políticos experientes em sua equipe. Os principais colaboradores de Milei são jovens, de escassa ou nula trajetória política. Ou poucos dirigentes com experiência passam a grande maioria do tempo explicando as incoerências de outros integrantes do partido, que causam estragos com declarações na mídia e nas redes sociais.

Um desses colaboradores veteranos foi consultado pelo Globo durante o ato de encerramento de Milei, quarta passada, durante o qual um dos mentores do candidato, o economista Alberto Benegas Lynch, considerado o pai dos libertários argentinos, defendeu a ruptura de relações da Argentina com o Vaticano.

A resposta do colaborador veterano do candidato chegou rápido pelo aplicativo de mensagens WhatsApp, e dizia que “[Benegas Lych] disse que era o seu pensamento, e que não comprometia a posição de Javier Milei”. Mas como separar o que diz o grande inspirador do candidato ultradireitista do próprio candidato, que abriu o ato de encerramento? Missão quase impossível. Detalhe: quando Benegas Lynch falou sobre romper com o Vaticano, os seguidores de Milei gritaram “serra elétrica, serra elétrica”.

Os problemas causados pelos colaboradores mais disruptivos será um dos temas de discussão de uma reunião do partido A Liberdade Avança convocada para esta terça-feira (24), em Buenos Aires. Uma fonte do comando de campanha de Milei confirmou que os danos provocados na reta final da primeira etapa da campanha foram grandes.

Alberto Benegas Lynch Filho, candidato a deputado pela província de Buenos Aires, também deu o que falar. Em entrevista a meios locais, o jovem libertário chegou a defender a privatização do mar. O assunto surgiu numa conversa sobre mudanças climáticas, na qual o candidato comparou o campo ao mar, e assegurou que a criação de “direitos de propriedade” sobre o território marítimo poderia ajudar a combater as mudanças climáticas.

Outra das polêmicas da reta final foi a proposta da também candidata a deputada, Lilia Lemoine, uma influencer digital que integra o círculo íntimo de colaboradores de Milei — chegando a ser, em alguns casos, sua estilista — sobre um projeto de lei para pais possam renunciar à paternidade porque “não é justo que um homem tenha que assumir economicamente uma criatura até os 18 anos se não quiser”. Quando a proposta viralizou, colaboradores do candidato afirmaram que se tratava de uma ideia pessoal de Lemoine.

4 - Milei, segundo as fontes consultadas, perdeu o controle sobre a utilização por parte da campanha do peronismo de suas falas que causam mais medo na população. O candidato não conseguiu, com um contra-ataque contundente, desmontar a campanha do medo liderada por Massa. Apesar do caos econômico, o candidato da ultradireita fracassou em capitalizar de maneira mais eficiente a crise.

— As pessoas ficaram realmente assustadas, e muitas, entre um candidato ruim conhecido e um louco desconhecido, optaram pelo ruim conhecido — opina Carlos Fara, diretor da Fara e Associados.

Segundo o analista, “no primeiro turno, Milei foi derrotado pelo sistema, que foi mais forte e mais astuto, instalando uma disputa entre o candidato dos 140% de inflação contra Milei e suas loucuras”.

5 - Outro dos erros do candidato da ultradireita, reconheceu uma fonte de sua equipe, foi queimar pontes com quase todos os partidos tradicionais com seu discurso contra o que chama de “casta política”. A mesma fonte reconheceu que “esse discurso foi muito bom para captar eleitores fartos do sistema, mas impediu conquistar votos dos que não querem chutar totalmente o balde porque temem perder o pouco que o sistema lhes dá”.

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