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CRIMINALIZAÇÃO

Países de África e Oriente Médio preveem pena de morte para LGBT+ inspirados em lei colonial

Levantamento da Associação Internacional de Gays e Lésbicas mostra que mais de 60 países do mundo ainda hoje criminalizam a homossexualidade, a maioria deles ex-colônias do Reino Unido

LGBTLGBT - Foto: Olga Maltseva/AFP

No início do século XX, não havia noite no Império Britânico, com um território que chegou a englobar quase um quarto das terras e 23% da população do planeta. Hoje, os vínculos formais com a família real britânica se limitam a poucos Estados, mas a influência herdada desse período hegemônico continua reverberando: segundo levantamento da Associação Internacional de Gays e Lésbicas (ILGA), dos mais de 60 países do mundo que ainda hoje criminalizam a homossexualidade, sete preveem a pena de morte como punição, seis deles ex-colônias — formais ou informais — do Reino Unido.

O caso mais recente é o de Uganda, que conquistou sua independência em 1962. Localizado na África Oriental, o país sancionou em maio deste ano uma Lei Anti-Homossexualiade, que prevê prisão perpétua para quem “tiver conhecimento carnal de qualquer pessoa contra a ordem da natureza” e pena de morte para casos de “homossexualidade agravada”, quando envolve um “criminoso em série” ou quando “a pessoa contra quem o crime é cometido contrai uma doença terminal”.

A jurisprudência é inspirada em uma extinta lei britânica, explica Kellyn Botha, principal autora do estudo “Our identities under arrest” (“Nossas identidades aprisionadas”, em tradução livre).

— Vemos concentrações geográficas específicas onde a criminalização ainda existe, e uma coisa que muitos desses países têm em comum é o fato de serem antigas colônias europeias — afirmou a pesquisadora em entrevista ao GLOBO. — O Império Britânico, em particular, exportou o que era conhecido como "Buggery Act" para suas colônias em todo o mundo.

Também chamado de “A Lei de Sodomia de 1533”, o texto data do reinado de Henrique VIII e declara que o “detestável e abominável vício de sodomia cometido com a humanidade ou com animais” seria punível com a morte.

A lista de países que preveem a pena de morte para homossexuais inclui ainda Iêmen, Arábia Saudita, Nigéria, Irã, Brunei e Mauritânia, que foi ocupado pela França.

— Na África, também temos muitas colônias francesas, e a França nunca aplicou explicitamente leis criminalizadoras dessa natureza em suas próprias economias, e é por isso que a maioria dos países africanos que não têm esse tipo de lei são predominantemente francófonos — acrescentou Botha. — Por outro lado, os países que têm a pior situação legal, como Gana, Nigéria e Uganda, em geral herdaram essas leis dos britânicos. O que não necessariamente afasta a culpa dos atuais governos, pois muitos adotaram novas leis ainda mais agressivas.

Série histórica
Ao menos 61 Estados-membros das Nações Unidas possuem atualmente mecanismos legais de criminalização da homossexualidade, enquanto outros dois, Egito e Iraque, o fazem de facto, devido ao uso consistente e institucionalizado de legislação aparentemente não relacionada ou ambígua para atingir pessoas LGBTQIAPN+, revela o levantamento da ILGA, que está em sua segunda edição.

Esse tipo de legislação é observada em todos os continentes, exceto na Europa. Mas há uma clara concentração regional: dos 63 países listados, 31 estão na África e 20 no Sul da Ásia, de acordo com o relatório da ILGA, uma organização sem fins lucrativos baseada em Genebra, na Suíça, que compilou e analisou mais de mil casos legais nos últimos 10 anos.

Apesar de expressiva, a cifra é a menor da série histórica, iniciada em 1990, quando 113 países criminalizavam a homossexualidade.

— Se analisarmos isoladamente o número total de membros da ONU que criminalizam atos sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo, hoje, obviamente temos muito menos países nessa lista do que tínhamos 30 anos atrás. Portanto, com base nisso, estamos definitivamente avançando como comunidade internacional — disse Botha. — Mas, individualmente, os países ainda podem estar retrocedendo.

Descrições vagas
Apenas seis países das Américas aparecem na lista: Guiana, República Dominicana, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Jamaica e Granada, todos ex-colônias britânicas.

O relatório da ILGA mostra ainda que essas leis falam de maneira vaga sobre o que seriam “atos não naturais” ou “sexo contra a ordem da natureza”, em vez de dizerem explicitamente “homossexualidade” ou algo do gênero. Mas, na prática, “é assim que é interpretado”, comentou a autora. A maioria dessas leis também visa apenas os homens, mas são interpretadas para atingir mulheres lésbicas, pessoas trans e não conformes com o gênero e pessoas intersexuais.

— Qualquer pessoa que pareça estranha pode ser alvo dessas leis, mesmo quando a própria lei não diz isso explicitamente — disse Bertha, que conclui: — Quando essa lei existe, ela permite que as pessoas pratiquem violência contra nossas comunidades com impunidade. Mas mesmo onde a lei foi revogada ou onde há proteções legais contra crimes de ódio e discriminação, ainda podemos enfrentar violência extrema contra a comunidade LGBTQIAPN+. O Brasil é um exemplo importante disso. Meu próprio país, a África do Sul, também.

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