Países têm que se antecipar na defesa da vacina, diz chefe de aliança global
Epidemiologista americano Seth Berkley destaca importância de defender a vacina de ataques
Governos e entidades devem se antecipar na defesa da vacinação contra Covid-19 e não deixar espaço livre para os "antivaxxers" -os que são contra vacinas-, afirma o principal executivo da aliança global por vacinação Gavi, o epidemiologista americano Seth Berkley, 64.
"É muito importante que sejamos proativos. É muito melhor construir compreensão e confiança desde o início em vez de esperar que o boato se espalhe para depois combatê-lo", afirmou ele em entrevista à reportagem.
Berkley diz que a aceitação da vacina é especialmente importante nesta pandemia de coronavírus porque ela é a melhor esperança para encerrar a fase mais aguda de contágio.
"Se quisermos superar esta pandemia, precisamos de vacinação generalizada. Sem uma ampla aceitação dessa solução, salvar vidas e retornar à normalidade se tornará ainda mais difícil", diz o executivo. Ele espera que as primeiras vacinas comecem a ser aprovadas pelas agências regulatórias em meados de 2021.
Em alguns países, como Reino Unido e Alemanha, manifestantes contra a vacina se juntaram a protestos mais amplos nos últimos meses contra medidas de restrição de mobilidade e isolamento físico.
No Brasil, a adesão à vacinação contra a Covid-19 caiu em quatro grandes capitais brasileiras, como mostrou pesquisa Datafolha realizada em 3 e 4 de novembro com eleitores de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife. O apoio à imunização obrigatória também registrou queda nesses locais.
A taxa de recifenses que pretendem se vacinar caiu de 75% para 65% agora em novembro. No mesmo período, subiu de 20% para 30% a parcela dos que não pretendem tomar a vacina. Tanto São Paulo (72%), quanto Belo Horizonte (74%) e Rio de Janeiro (73%) viram a taxa de adesão à vacinação recuar 7 pontos percentuais neste último mês. Enquanto isso, as taxas de recusa para a imunização alcançaram 23%, 21% e 24%, respectivamente.
Uma das estratégias da Gavi para combater a desinformação, segundo ele, é trabalhar em parceria com governos e agências internacionais, como o Unicef (fundo da ONU para a infância) para engajar líderes comunitários e religiosos.
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A Gavi, criada pelo casal Bill e Melinda Gates para aumentar a oferta de imunizantes nos países mais pobres, montou uma força-tarefa específica para combater o coronavírus, a Covax, da qual participam também a OMS e o Cepi (coalizão contra epidemias formada por organizações públicas, privadas, filantrópicas e da sociedade civil).
O objetivo da Covax é impulsionar a pesquisa e o desenvolvimento do maior número possível de vacinas para acelerar a descoberta de um produto viável. Multiplicar as opções é fundamental porque menos de 10% dos projetos conseguem passar do estágio pré-clínico e, dos que chegam aos testes em humanos, só 20% se tornam viáveis, segundo dados históricos.
Atualmente existem mais de 200 vacinas candidatas em desenvolvimento, e 11 das candidatas estão no último estágio de teste de eficácia -como a da Pfizer, que nesta segunda anunciou de 90% de eficiência em resultados preliminares.
O governo brasileiro já possui ao menos dois acordos prévios para obtenção de 140 milhões de doses de vacinas contra Covid-19 após a conclusão de testes. Destas, 100 milhões viriam de uma parceria da Fiocruz com a Astrazeneca e Universidade de Oxford e 40 milhões por meio da Covax Facility.
"As baixas chances de sucesso para as vacinas candidatas tornam ainda mais crítico agrupar os potenciais riscos. É exatamente o que a Covax está fazendo", diz o epidemiologista. Com recursos antecipados de dezenas de países, a aliança permite encurtar um caminho até a vacina que, em condições normais, dura de 7 a 20 anos.
Os pagamentos iniciais garantem a matéria-prima e o aumento da escala para fabricação ainda durante a fase de desenvolvimento, enquanto normalmente os investidores só bancam a produção quanto têm garantia de que se trata de um imunizante seguro e eficaz.
De acordo com Berkley, o portfólio da aliança tem hoje nove vacinas em desenvolvimento e outras nove em avaliação. Dos US$ 2,4 bilhões (R$ 13 bi) orçados para pesquisa e desenvolvimento, foi garantido até o momento US$ 1,3 bilhão (R$ 7 bi), pouco mais da metade.
"Esperamos resultados de eficácia no quarto trimestre deste ano e no primeiro trimestre de 2021", diz ele.
Antes de começar a aplicar os imunizantes será preciso obter a aprovação de agências regulatórias, uma etapa que o Gavi também está tentando agilizar.
O objetivo inicial da Covax é produzir 2 bilhões de doses, número que leva em conta a necessidade de duas doses para a imunização. Esse número, suficiente para a vacinação considerada prioritária -profissionais de saúde e grupos de risco- poderia ser alcançado no final do próximo ano, segundo Berkley.
"Mas as vacinas serão distribuídas assim que se mostrarem eficazes e tiverem aprovação regulatória. Não vamos esperar até que todas as doses sejam produzidas", diz ele.
Segundo Berkley, a OMS está definindo as regras sobre como priorizar a distribuição das vacinas enquanto a oferta for limitada. Esse é um ponto em que a aliança global também é necessária, afirma o epidemiologista, porque muitos dos países que têm capacidade de fabricar vacinas na escala necessária enfrentam pressão para imunizar primeiro sua própria população.
"Não houve até agora nenhum sistema global para supervisionar a alocação do suprimento de vacinas, e é preciso uma solução verdadeiramente global para encerrar o estágio agudo da pandemia", afirma.
No primeiro momento, o foco será garantir o fornecimento de vacinas para 20% da população dos países participantes -até a última sexta (6), eles eram 186, dos quais 94 são economias de renda mais alta, capazes de financiar sozinhas as compras de suas doses.
Os outros 92 são países que se candidataram a participar do Compromisso de Mercado Antecipado, AMC (Compromisso de Mercado Antecipado), que financia a compra por países de menor renda.
Quando todos os participantes tiverem recebido a cota de 20% (ou menos, se preferirem), novos pedidos passarão a ser atendidos. "Nada parecido com isso foi tentado antes em um período de tempo tão curto", diz o executivo, que descreve a operação de "um imenso esforço de coordenação".
Em anos normais, a estrutura do Gavi fornece cerca de 500 milhões de doses, um quarto do que será necessária apenas na primeira fase da vacinação contra o coronavírus.
Entre os preparativos necessários está garantir veículos refrigerados e câmaras frias para armazenamento dos bilhões de doses, além das estruturas de transporte. "Os países ricos e pobres são todos afetados e, portanto, as questões de preços, fabricação e abastecimento geral são muito mais complexas", afirma ele.
Faltam recursos ainda para garantir a distribuição, afirma Berkley. Da meta urgente de US$ 2 bilhões até o final deste ano, necessários para acelerar a disponibilidade de doses para países de baixa e média renda, foi arrecadado US$ 1,8 bilhão (ou R$ 9,6 bi de um total necessário de R$ 10,7 bi).
Outros US$ 5 bilhões (R$ 26,7 bi) são necessários até o final de 2021, para garantir que países mais pobres não fiquem sem imunizante. "Se a maior parte do mundo continuar desprotegida, a pandemia seguirá inabalável, e seu impacto continuará significativo", diz ele.
Embora a produção e a compra em escala possam garantir mais eficiência e preços menores, modelos como o do Gavi, justamente por envolver quantidades e somas bilionárias, podem propiciar desvios, desperdício e corrupção, segundo seus críticos.
Berkley afirma que, a partir de 2021, a aliança vai ampliar as atividades de auditoria e investigação para incorporar, "quando viável", as operações centrais da Covax e a entrega da vacina contra Covid-19. "O Gavi tem tolerância zero para o uso indevido de fundos", afirma ele.