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EUA

Palco do caso Floyd, Minneapolis lidera onda americana antipolícia

Delitos leves ou de média complexidade sairiam da alçada da polícia e passariam a ser responsabilidade de assistentes sociais

Homenagens a George FloydHomenagens a George Floyd - Foto: Kerem Yucel / AFP

Dono de um estúdio em Minneapolis, nos EUA, o ativista de origem porto-riquenha Ricardo Levin Morales adicionou recentemente um novo item a seu portfólio de arte engajada. É o bóton: "Acabe com a polícia. Reforma não é o suficiente".

O adereço na cor roxa pode ser comprado por US$ 1,50 (R$ 7,50) pela internet, mas Morales tem preferido distribuí-lo de graça em ruas de bairros de maioria negra da cidade neste momento. "Qualquer coisa com essa mensagem é um sucesso, especialmente entre os mais jovens", diz ele, que faz gravuras, pôsteres e camisetas com slogans como "se você quer quebrar as correntes, primeiro terá que quebrar as regras".

Palco do assassinato do desempregado negro George Floyd por um policial branco em 25 de maio, a cidade do Meio Oeste americano está na vanguarda de um movimento antes visto como restrito a uma franja radical, mas que vem se alastrando pelo país.

Trata-se de acabar com as polícias, ou ao menos desidratá-las por meio do corte em seu financiamento. Em Minneapolis, no último domingo (7), nove membros do Conselho Municipal, órgão equivalente à Câmara dos Vereadores, anunciaram seu compromisso com o desmantelamento da polícia. Com um total de 13 conselheiros no colegiado, a expectativa é que os planos sejam aprovados sem dificuldades.

A reação dos conselheiros foi uma consequência direta da comoção gerada pela morte de Floyd, que teve a participação de uma movimentada cena ativista local que há anos faz desse tema sua bandeira. "Foram as organizações que fizeram isso acontecer. Esse conselho é o mesmo que resistiu às mudanças durante muitos anos. Alguns membros foram convencidos, outros foram pressionados", afirma Morales, cujo estúdio de arte, temporariamente fechado por causa da pandemia, é uma espécie de ponto de encontro de ativistas da cidade.

Um dos movimentos mais atuantes é o MPD 150, uma coalizão de diversos coletivos que militam pelo fim da polícia (a sigla faz referência aos 150 anos do Departamento de Polícia de Minneapolis). "Sabemos que chegar até um futuro sem polícia é um processo gradual de tentativa e erro, que demanda tempo, participação da comunidade, alocação de recursos e muito mais", disse em entrevista por email uma integrante do MPD 150 que se apresentou apenas como Nikki.

Segundo ela, apenas tentar reformar a polícia não é suficiente. "É como um fazendeiro que tenta salvar algumas plantas doentes quando todo o solo está contaminado", diz. Grupos que defendem a extinção da polícia rejeitam políticas como aumento da diversidade racial na corporação, filmagem de abordagens ou treinamento humanizado para situações críticas.
"Essas reformas são ineficazes e não lidam com os temas principais. Enquanto isso, vidas inocentes vão embora. Não temos tempo a perder", diz Nikki. A campanha vem ganhando terreno em diversas cidades, embora na maioria das vezes a alternativa proposta seja menos radical do que a adotada em Minneapolis.

Em geral, baseia-se na defesa da redução de tamanho, atribuições e sobretudo orçamento das corporações. Nos EUA, a segurança é atribuição local, e há cerca de 17 mil departamentos de polícia em todo o país, cada um com procedimentos e cultura diferentes.

Entidades de defesa dos negros de atuação nacional, como a Black Lives Matter, que esteve na linha de frente das manifestações após a morte de Floyd, têm propagado o slogan "Defund the Police" (corte o financiamento da polícia).
Em Nova York, o prefeito Bill de Blasio, criticado pela mão pesada ao reprimir as manifestações, prometeu transferir parte do orçamento da polícia a serviços sociais.

No Congresso, líderes sobretudo democratas prometem aprovar reformas nas polícias, embora o candidato do partido à Presidência, Joe Biden, não tenha se comprometido a apoiar o fim delas. A proposta dos ativistas é que o foco na segurança pública mude da repressão à prevenção, com ênfase na receita tradicionalmente defendida pela esquerda: investimento em programas sociais para comunidades pobres.

Delitos leves ou de média complexidade, como consumo de drogas, distúrbios à ordem pública e violência doméstica sairiam da alçada da polícia e passariam a ser responsabilidade de assistentes sociais. Apenas para crimes violentos como assalto, assassinato ou estupro haveria, numa fase de transição, unidades pequenas especializadas de agentes públicos, que não precisariam ser chamadas de "polícia".

"Sabemos que a prevenção não acabará com todo o crime violento, mas o sistema de policiamento atual também não faz isso", diz a representante do MPD 150. "Diferentes comunidades terão diferentes respostas. Algumas terão grupos de servidores públicos cujo trabalho é responder a esses crimes violentos, que na realidade são bastante incomuns", afirma ela.

Os próprios conselheiros de Minneapolis não deram detalhes de como funcionaria o novo sistema. Caberá à prefeitura pensar numa alternativa que continue garantindo a segurança dos cidadãos. Para Alex Vitale, professor de sociologia do Brooklyn College, em Nova York, o principal problema a ser enfrentado é a "mentalidade guerreira" da polícia em diversas cidades dos EUA.

"Policiais com frequência se consideram soldados numa batalha contra o público, em vez de guardiões da segurança pública", escreve ele no livro "The End of Policing" (o fim do policiamento), de 2017, que vem sendo mencionado como referência pelos ativistas. Ele é um defensor da tese de que não adianta tentar aumentar a diversidade das polícias, ou investir em treinamento. "Uma guerra aos pobres mais bondosa, gentil e diversa continua sendo uma guerra aos pobres", afirma.

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