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COVID-19

Pandemia ficou para trás, mas o coronavírus deixou milhões de pessoas com falhas na memória

Estima-se que cerca de metade dos que tiveram a doença sofrem falhas cognitivas por dias, meses e, em alguns casos, anos

Estímulos mentais ajudam a desenvolver a memóriaEstímulos mentais ajudam a desenvolver a memória - Foto: Arthur Mota/Folha de Pernambuco

O pior da pandemia de Covid-19 ficou para trás, mas o coronavírus deixou um rastro de milhões de pessoas acometidas por problemas de memória. É um mal que se faz lembrar pelo esquecimento que provoca em suas vítimas. Estima-se que cerca da metade dos que tiveram a doença sofrem falhas cognitivas por dias, meses e, em alguns casos, anos. Agora, um estudo realizado por cientistas brasileiros revela que danos no cérebro associados à perda de memória podem ser provocados pela proteína spike do coronavírus.

A pesquisa abre caminho para desenvolver formas de evitar os efeitos de longo prazo da Covid-19. A spike é essencial para o Sars-CoV-2 penetrar nas células humanas e é alvo da maioria das vacinas.

Assinado por 25 cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), o estudo foi apoiado pela Faperj publicado na Cell Reports, uma das mais importantes revistas internacionais das ciências biológicas.

Primeiro, os pesquisadores demonstraram em testes com modelos animais que a spike é capaz de desencadear uma reação inflamatória com efeitos de longo prazo. Ela deflagra uma espécie de curto-circuito na comunicação de células nervosas associadas à formação da memória. A intensidade e a duração dos sintomas estão associadas a variações genéticas, também identificadas pelos cientistas.

O novo estudo mostrou que a spike ultrapassa a barreira hematoencefálica, que protege o cérebro de vírus e bactérias. Uma vez no cérebro, ela provoca uma verdadeira bagunça, cujo resultado é a perda de memória.

A coordenadora do estudo, Cláudia Figueiredo, do Departamento de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que essa reação em cadeia explica a permanência dos danos provocados pela spike e o fato de a perda de memória se manifestar depois da fase aguda da Covid-19.

"Não é na fase aguda da Covid-19 e sim na chamada Covid longa que a perda de memória ocorre e isso acontece porque se trata de uma consequência da resposta do próprio organismo à proteína do coronavírus" explica Figueiredo.

Quando o Sars-CoV-2 infecta alguém, as células desse indivíduo liberam a spike ou fragmentos dela. Essas proteínas podem chegar a diferentes partes do corpo, inclusive o cérebro. Uma vez no cérebro, a spike causa inflamação. Ela é detectada e substâncias chamadas alarminas dão o sinal de que a intrusa deve ser combatida.

Porém, nem sempre o corpo encontra o ponto certo de reação. É delicado o equilíbrio entre a inflamação necessária com efeito curativo e uma tempestade bioquímica. Em algumas pessoas, a inflamação é um processo benigno, como uma chuva no fim de um dia quente que chega para aliviar o calor. Em outras, por fatores que a ciência ainda não conhece completamente, a chuva vira uma tormenta, que inunda o corpo de compostos bioquímicos e devasta funções normais do organismo.

É o que acontece em algumas pessoas com a reação à spike. Ela acaba por induzir a perda de sinapses, a região pela qual os neurônios se comunicam. Quando isso ocorre no hipocampo, área do cérebro associada à memória, acontecem falhas, que não são imediatas à infecção aguda.

No estudo com animais, os cientistas mostraram que injetada no cérebro de camundongos, a spike tem efeito tardio na função cognitiva. Porém, o bloqueio de determinadas substâncias, seja por motivos genéticos ou por medicamentos, pode inibir a inflamação.

Em seu estudo, os cientistas dizem que o bloqueio de uma substância chamada TLR4 em animais protege contra a perda de sinapses e preserva a memória.

Os pesquisadores foram além e viram que num grupo de 86 pacientes que haviam tido Covid-19 branda, quem apresentava uma determinada variante genética conhecida pela sigla GG TLR4-2604G>A tinha perdas maiores e mais prolongadas de memória. Nessas pessoas, a inflamação era tempestade.

"Pacientes com a variante tiveram danos cognitivos maiores e uma Covid-19 longa com desfecho pior porque sua resposta à inflamação foi exagerada" observa uma outra autora do estudo, Soniza Alves-Leon, coordenadora a unidade de Pesquisa Clínica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ e do Laboratório de Neurociência Translacional da UniRio.

As cientistas acrescentam que um dos desdobramentos da pesquisa poderá ser identificar precocemente quem tem a variante e corre maior risco. Essas pessoas poderiam ser beneficiadas por tratamentos específicos.

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